Carta aberta a Joacine Katar Moreira
Estou em posição de lhe dar um conselho valioso, ainda que não solicitado: de cada vez que houver uma condenação a Israel, não hesite. Always choose to be on the safe side, ou seja, condene – sempre – Israel.
Cara Joacine,
Ciente de que a última coisa de que precisa neste momento é de demonstrações públicas de empatia por parte do Embaixador de Israel, hesitei em escrever-lhe mas, no final, não pude evitá-lo. Aqui está, sozinha, perante o coro de críticas dos seus correligionários e de outras personalidades de uma esquerda solidária, igualitária e anti-colonial – baluartes insuspeitos de valores como a tolerância e a liberdade de expressão.
Já devia saber, Joacine, que estes valores não são aplicáveis quando se trata de Israel. E foi, destarte, que decidi escrever-lhe. Por esta altura já estou em posição de lhe dar um conselho valioso, ainda que não solicitado: de cada vez que houver uma condenação a Israel, não hesite. Não repita o tremendo erro que levou os seus colegas de partido a atacá-la tanto à porta fechada como no espaço público. Always choose to be on the safe side, ou seja, condene – sempre – Israel.
Apressei-me a dar-lhe este conselho, cara Joacine, porque prevejo que o ritual automático de condenação a Israel se vá repetir, todas as sextas-feiras, na Assembleia da República. E porque não lhe convém aborrecer os seus colegas do Livre. É-lhe infinitamente mais conveniente pertencer à maioria. No geral, é mais confortável deter certezas insofismáveis, não contextualizar, não pensar, não hesitar, do que ir, de quando em vez, contra-corrente. Sentiu-o na pele, Joacine.
Quando se trata de Israel, essa maioria está garantida e é facilmente conquistada pelos partidos da esquerda radical, infelizmente coadjuvados pelo partido no poder (excepção feita a alguns deputados intelectualmente independentes), que usa Israel como moeda de troca para alimentar uma maioria confortável nos acordos que dela precisam.
A Joacine é nova nos corredores da Assembleia da República e por isso devo informá-la de que, em 2018, os votos de condenação a Israel somaram 15, muitos mais do que os três dedicados a Maduro, o grande progressista que levou o seu povo à fome e à miséria (nomeadamente largos milhares com raízes em Portugal). Acredite que, no que respeita ao trabalho parlamentar, é sempre mais fácil apontar o dedo a Israel.
No comunicado de imprensa que emitiu no dia 23, depois do ‘incidente’, escreveu – e bem – que “os votos de condenação são importantes pela sua carga simbólica. No entanto, traduzem-se em posicionamentos retóricos em detrimento de impacto real na vida dos palestinianos”. Isto é tão verdade. Mas quem disse que quem teve a iniciativa do voto de condenação dá importância à qualidade de vida dos palestinianos? Nem os media se mostram particularmente interessados no ritual condenatório a Israel no Parlamento, a menos que, como é bom de ver, daí surja um “escândalo”. E eu confesso, aqui só entre nós, que de tão useiros e vezeiros, já nem os transmito a Jerusalém.
Neste mesmo comunicado de imprensa também escreveu que “(...) o texto do PCP era omisso em relação à questão da negociação para a paz (...)” quando o seu partido sublinha a necessidade de diálogo entre as partes envolvidas, elemento esse que encontrou em falta, o que conduziu (não só mas também) a decidir abster-se.
Só que tudo isto evoca factos, certamente incómodos, a que temos de voltar: quando Barack Obama impôs a Netanyahu o congelamento de toda e qualquer construção nos colonatos, e durante um ano nem uma varanda se pôs numa casa, mesmo então Mahmoud Abbas recusou negociar com Israel. E até antes disso, quando não havia sequer colonatos na Judeia e na Samaria – Cisjordânia –, os palestinianos reconheceram o direito do povo judeu à autodeterminação? A mesma que querem ver reconhecida? E hoje? E agora? Reconhecem-nos esse direito? O direito à autodeterminação é um valor aos olhos da esquerda solidária, igualitária e anti-colonial, não é? Ou depende de quem por ele clama? (A propósito, nunca vi a mesma obsessão dessa esquerda em relação ao direito à autodeterminação do povo curdo).
Então porquê, Joacine, levantar questões e baralhar com factos as posições dogmáticas dos seus correligionários? Já agora, menciona no seu já referido comunicado os “bloqueios económicos” sofridos pelo povo palestiniano na Faixa de Gaza. Se não fosse sensível à sua presente situação no Livre, convidá-la-ia a ir a Israel, ao terminal de Kerem Shalom, para assistir à passagem diária de 500 a 600 camiões israelitas carregados de alimentos, medicamentos e outro bens destinados à população de Gaza. Levá-la-ia também ao terminal de Erez, igualmente na fronteira com Gaza, para que pudesse testemunhar as centenas de palestinianos que o atravessam diariamente para receberem tratamento nos hospitais israelitas.
E já ouviu falar de Yahya Sinwar? É o actual chefe militar da organização terrorista Hamas e sofria de um tumor cerebral. Foi curado num hospital em Israel enquanto esteve preso. Irónico, não é?
Mas também, quem disse que os factos são sempre o mais importante nas histórias? Ainda para mais quando falamos de Israel, o país que consegue, pasme-se, ser simultaneamente a única democracia na região e, na opinião de certa esquerda, a origem do mal no mundo.
Há dias, depois de uma chuva de 560 mísseis em 48 horas com a marca da Jihad Islâmica (e o alto patrocínio do Irão) contra os nossos cidadãos, precisamente proveniente de Gaza, até o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal tweetou que: “Indiscriminate firing of rockets against civilian population is totally unacceptable and must stop immediately.”
É por tudo isto, cara Joacine, que nada seria mais natural e lógico do que, no Parlamento português, ver aprovado um voto de condenação pela agressão israelita na Faixa de Gaza. Não deixe, reitero, que os factos (v)os confundam.
Take care!
PS: Aproveito a oportunidade para louvar a sua iniciativa relativa a Aristides de Sousa Mendes. Nada mais Justo.