O SNS precisa de saúde
Com a passividade da ministra Marta Temido, circunscrita a uma gestão corrente, sem poder orçamental junto de Mário Centeno, o Governo arrisca-se a deteriorar o capital político acumulado nas últimas eleições.
São vários os exemplos: 21 chefes de equipa do serviço de urgência do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte entregaram minutas de escusa de responsabilidade por falta de médicos; a urgência pediátrica do Hospital Garcia de Orta, em Almada, foi encerrada à noite pela mesma razão; há muito que as urgências do Algarve entraram em ruptura; e a de Setúbal esteve um fim-de-semana sem receber ambulâncias por não conseguir responder à afluência.
O Ministério da Saúde afirma que o número de médicos e de enfermeiros tem vindo a aumentar e que o número de atendimentos nos serviços de urgência tem vindo a descer. O paradoxo é evidente. Como explicar, então, o caos nos serviços de urgência e o encerramento de serviços com a importância do Garcia de Horta? O Serviço Nacional de Saúde está a precisar de intervenções cirúrgicas. E se estas não são ao nível dos recursos, como defendem os médicos, que sejam ao nível da organização. O facto de estes sinais de ruptura se verificarem antes dos habituais picos de epidemia da gripe só nos garante que o pior ainda está para vir.
As urgências dos hospitais públicos convocam ainda um segundo paradoxo. São os internos, jovens profissionais de menor experiência, ainda em formação especializada, quem assegura a maioria da prestação de serviço, porque quase metade dos especialistas nos hospitais tem mais de 50 anos – ou seja, o número de especialistas não é suficiente para assegurar a formação de todos os jovens médicos. Acresce que o sistema recorre cada vez mais a tarefeiros para colmatar lacunas, cujo desempenho não garante a mesma eficácia e prontidão.
O PS gosta de empunhar a bandeira do serviço público de saúde, como o fez na última campanha, mas o discurso de defesa do SNS está a caminho de se transformar numa lengalenga para eleitores ingénuos. Com a passividade da ministra Marta Temido, circunscrita a uma gestão corrente, sem poder orçamental junto de Mário Centeno, o Governo arrisca-se a deteriorar o capital político acumulado nas últimas eleições e a obter como contrapartida um óbvio e natural descontentamento generalizado, quer da parte dos profissionais, quer da parte dos utentes.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu este sábado que estamos num momento “significativo” para resolver problemas importantes no SNS. No dia seguinte, António Costa disse que era necessário “recuperar muitos anos de desinvestimento”. O consenso existe, o orçamento logo se verá.