Chef processa a Michelin por ter sido incluído no guia

O sul-coreano Eo Yun-gwon não poupa facadas à Michelin. “É um insulto que o meu nome e restaurante sejam listados num guia corrupto”, diz.

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O Ristorante Eo e o chef (aqui durante um festival de gastronomia italiana da Câmara de Comércio Italiana na Coreia do Sul) DR

Se este ano em Portugal tínhamos o caso de Henrique Leis, que anunciou a sua “renúncia” à estrela Michelin, da Coreia do Sul chega-nos outro desistente do famoso guia, embora com menos sorte que o chef do restaurante algarvio: enquanto Leis conseguiu realizar o seu sonho e perdeu a estrela, o sul-coreano Eo Yun-gwon, que tenta desde 2017 sair do guia, continua a não ser bem-sucedido. Mas, desta feita, vai mais longe do que só criticar a Michelin: processou a empresa responsável pelo célebre guia vermelho, tão adorado quanto temido.

"Inúmeros restaurantes e trabalhadores estão a desgastar as suas almas (e dinheiro, tempo e esforço) para perseguirem a miragem que é uma estrela Michelin", escreveu Eo num e-mail à Michelin, conta a CNN. “O guia Michelin é um sistema cruel”, comentou o chef à estação norte-americana. “É o teste mais cruel do mundo. Força os chefs a trabalharem o ano inteiro à espera de um teste” que “nem sabem quando chegará”. E tem mais facadas ao sistema Michelin: “é cego pelo dinheiro e falho na sua filosofia”, ataca, prometendo "trabalhar arduamente para proteger a integridade da nossa indústria contra críticos que são lixo como os da Michelin, ou os influencers nos media.

“Embora aparecer listado no guia Michelin possa ter um grande efeito promocional, não quero nenhuma ajuda de uma empresa tão opaca e subjectiva”, disse Eo Yun-gwon ao jornal The Korea Herald. "É humilhante”, desabafa; “é um insulto que o meu nome e restaurante sejam listados num guia corrupto", ataca o chef, responsável pelo Ristorante Eo, especializado em cozinha italiana.

O chef pedira para não estar incluído, mas a Michelin não lhe fez a vontade, até porque como explicava à Fugas, a propósito do caso Leis, o responsável de comunicação do Guia para Espanha e Portugal, Ángel Pardo Castro, essa é uma decisão livre dos inspectores. “Não fazemos o Guia Michelin para os chefs nem para os críticos. Fazemo-lo para os leitores”, sublinhava Pardo Castro. 

Eo, que surge no guia para 2020, lançado este mês, com o símbolo de Prato Michelin (uma outra distinção alternativa às estrelas ou Bib Gourmand e que garante a qualidade segundos os inspectores), já teve uma estrela em 2017 e 2018, tendo-a perdido em 2019. Para quem pense que a actual queixa do chef é “dor de cotovelo”, saliente-se que em 2017 já tinha pedido para sair do guia. 

Eo acusa a Michelin de apenas ter inspeccionado cerca de 170 restaurantes em Seul, “uma anedota”, quando “há milhares” na capital sul-coreana passíveis de avaliações similares, ou “mesmo melhores e mais honestos”. Por isso, considera “ultrajante” a lista e que os inspectores são “indignos de fazer uma avaliação".

No Facebook, o chef, resume o jornal, acusa a Michelin de “listar à força” o seu restaurante como uma espécie de acompanhante de outros restaurantes “sem ter critérios definidos”. O chef diz que enviou diversos e-mails à Michelin, logo após ter sido listado em 2017, a pedir para sair do guia. Uma imagem mostra um e-mail da Michelin a rejeitar a pretensão.

Segundo adianta o jornal sul-coreano, a representante da Michelin no país realçou as “decisões independentes” do guia, acrescentando que ainda não tinham sido recebidos quaisquer documentos legais relativos ao processo.

Não é a primeira vez que a Michelin enfrenta a “renúncia” de um chef às estrelas e/ou ao guia (além de Leis, por exemplo também Sébastien Bras, o primeiro a conseguir abdicar das estrelas por livre vontade) ou enfrenta um processo (como no caso do francês Marc Veyrat, mas aqui uma queixa por ter perdido uma das suas três estrelas).

No processo sul-coreano, a Michelin é acusada por “insulto”, o que estará próximo de um processo por difamação. Segundo adianta a CNN, citando um advogado sul-coreano, Shin Ha-na, o processo não deverá ter pernas para andar, já que para a lei sul-coreana seriam necessárias, de facto, palavras ofensivas que representassem calúnia, atentado à honra. É um facto que não é essa a conclusão que se tem ao ler no site da Michelin o resumo crítico ao ristorante de Eo, entre elogios à “cozinha italiana altamente bem conseguida” do chef, ou de como “cada prato demonstra claramente a sua percepção da integridade e simplicidade da cozinha italiana”.

Mas o propósito de Eo, acima de tudo, parece ser contribuir mediaticamente para o debate sobre as estrelas Michelin, polvilhando-o, como se vê, com o seu lado mais negro. "Vou continuar a minha campanha contra a Michelin", garante o chef. Já se sabe que a vingança é um prato que se serve frio. 

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