Henrique Leis queria perder a sua estrela, a Michelin fez-lhe a vontade
Pela primeira vez em Portugal, um chef pediu para o seu restaurante sair da lista, onde estava há 19 anos. A Michelin chegou a sublinhar que a decisão era sua e não do cozinheiro. A sul, caíram mais duas estrelas.
O desejo de Henrique Leis foi concretizado. Em Julho deste ano, o chef tinha pedido à Michelin a devolução da distinção que detinha há 19 anos. Esta quarta-feira, o guia Michelin cumpriu o pedido de Leis e retirou a estrela ao restaurante algarvio que tem o seu nome, em Loulé, no Algarve.
Num dia em que os chefs ambicionam manter ou ganhar estrelas, Henrique Leis queria perder a sua distinção. O chef brasileiro, a viver em Portugal há 24 anos, chegou a enviar uma carta para o Guia a expressar o desejo de lhe ser retirada a distinção. A decisão foi justificada com o desejo ter “mais liberdade”, “sem a pressão” que uma estrela exige. Depois de alguma polémica, Leis decidiu entretanto tirar umas “férias” do assunto, aproveitando, literalmente, para encerrar o restaurante para férias entre 19 de Novembro e 28 de Dezembro.
“A decisão já estava a ser pensada há muitos anos. Quando ganhei a primeira estrela, disse para mim mesmo que ia ficar com ela durante cinco anos. Depois de terem passado esses cinco anos, pensei que seria melhor esperar até se cumprir uma década. Quando cheguei aos dez, pensei que ia até aos 15 e depois até aos 20. Porém, cheguei à conclusão de que duas décadas é muito tempo, muito stress e 19 ou 20 anos vai dar exactamente à mesma coisa. Estou a poupar um ano da minha vida para relaxar um pouco e achei que este seria o momento ideal para entregar a estrela Michelin”, contava ao PÚBLICO.
No entanto, renunciar a uma estrela Michelin não é tão fácil assim, nem “possível”. Em conversa com a Fugas, Ángel Pardo Castro, responsável de comunicação do Guia para Espanha e Portugal, foi muito claro quanto a isso: “Não fazemos o Guia Michelin para os chefs nem para os críticos. Fazemo-lo para os leitores.”
O responsável na Michelin explicou que em Julho as decisões já estavam tomadas, como resultado de várias visitas de inspectores do guia. Ou seja, a perda da estrela para o restaurante de Henrique Leis em nada terá sido influenciada pelo pedido do cozinheiro nem pela carta enviada a 12 de Junho.
“A Michelin pode ser dona da estrela, mas não é dona do meu restaurante. Eles deram-me a estrela como se fosse um empréstimo, enquanto eu merecesse”, comentou o chefe de cozinha brasileiro, em entrevista à Lusa, na antecipação dos prémios. “O meu compromisso com eles acabou”, acrescenta.
Não é a primeira vez que um chef anuncia a decisão de renunciar à distinção. Em 2018, Sébastien Bras ficou sem as três estrelas no restaurante Le Suquet, justificando a decisão com o stress e pressão constantes. O chef, de 46 anos dizia que não queria mais cozinhar “sob a enorme pressão” de poder a qualquer momento ser avaliado por um dos juízes do guia.
Anteriormente, Alain Senderens, cansado da solenidade em torno das estrelas, decidiu em 2005 mudar por completo o seu restaurante parisiense Lucas Carton, “devolvendo” as três estrelas Michelin: o restaurante passou a chamar-se Senderens, com um menu mais simples e preços bem mais acessíveis — e, ironia das ironias, o novo restaurante do chef, que faleceu em 2017, acabaria por receber duas estrelas Michelin.
Michelin 2020: três restaurantes no sul sem estrela
Além de Leis, outros dois restaurantes a sul perderam a sua estrela. Ao contrário deste chef, não tinham desejo nenhum de perdê-la. Também no Algarve, o chef alemão Willie Wurger viu o seu Willie's de Vilamoura ficar sem a distinção que detinha desde 2006. “Não sei porquê. Não estava à espera”, comentou o chef à Lusa, salientando que não notou “nenhuma mudança, foi igual a todos os anos”, com os inspectores do guia a fazerem"uma ou duas visitas” ao restaurante.
No Alentejo, o L'And Vineyards, em Montemor-o-Novo, também ficou sem a estrela, mas aqui explica-se por uma situação que tradicionalmente interfere com as decisões dos inspectores: a mudança de chef. A cozinha antes liderada por Miguel Laffan passou a ser conduzida por José Tapadejo. “Estávamos na expectativa. Sabíamos que num ano de mudança de chef era possível” a perda da distinção, comentou a directora de relações públicas do espaço, Luísa Santos.
Texto editado por Luís J. Santos