Doyen queria contratar Rui Pinto para cometer crimes informáticos, alega ex-advogado do hacker

Defesa de Aníbal Pinto afirma que Nélio Lucas, então administrador do fundo de investimento, terá demonstrado vontade de que Rui Pinto entrasse nos servidores da Federação Portuguesa de Futebol. Advogado é acusado de um crime de extorsão de forma tentada, ilegalidade que nega no requerimento de abertura de instrução.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

A Doyen queria contratar Rui Pinto para aceder ilegalmente aos servidores da Federação Portuguesa de Futebol (FPF): esta alegação consta do requerimento de abertura de instrução de Aníbal Pinto, a que o PÚBLICO teve acesso. O advogado e comentador televisivo é acusado pelo Ministério Público (MP) de um crime de extorsão sob a forma tentada contra a Doyen Investment Sports, fundo de investimento sediado em Malta.

De acordo com a defesa de Aníbal Pinto, o então administrador do fundo, Nélio Lucas, terá sugerido utilizar as valências técnicas do hacker para cometer um acesso ilegítimo aos servidores do órgão federativo. Esta intenção terá sido exposta durante o encontro realizado numa estação de serviço da A5, em Oeiras, entre Aníbal Pinto, Nélio Lucas e o advogado da Doyen, Pedro Henriques. Aníbal Pinto representava Rui Pinto que, na altura, mantinha o anonimato.

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Aníbal Pinto representou hacker em caso com banco das ilhas Caimão JOÃO RELVAS / LUSA

“Igualmente no ensejo, o Nélio Lucas questionou o arguido Aníbal Pinto sobre se o Rui Pinto conseguia entrar nos servidores da Federação Portuguesa de Futebol e que, na afirmativa, o pretendia contratar. O arguido Aníbal Pinto pretextou, então, ignorar se o Rui Pinto tinha habilidade ou aptidão técnica para o efeito, avançando, porém, que, quando o conheceu, ele estava indiciado de um pretenso ataque a uma entidade bancária das Ilhas Caimão”, pode ler-se no requerimento.

Aníbal Pinto aponta ainda que esta intenção da Doyen ficou posteriormente “ratificada numa conversação, escutada pela PJ e mantida entre o arguido Aníbal Pinto e o dr. Pedro Henriques”. Os servidores da FPF foram, de acordo com a acusação do MP, um dos alvos do hacker, que terá extraído informações relativas a classificações de arbitragem e jogadores das camadas jovens.

O advogado explica que este potencial acesso informático indevido proposto pela Doyen foi o factor que o levou a afastar-se de um eventual acordo, garantindo que apenas tinha sido incumbido de intermediar a celebração de um contrato de trabalho entre o hacker e o fundo de investimento. De igual modo, adianta que “não aceitou colaborar em abordagens que que viessem a ser feitas ao Nélio Lucas, tendentes a obter uma quantia compreendida entre meio milhão e um milhão de euros, para não serem tornados públicos certos documentos”.

O PÚBLICO contactou a defesa da Doyen, que se recusou a prestar esclarecimentos.

“Alguém dá um milhão a um miúdo? Isso é uma estupidez”

Aníbal Pinto representou o hacker durante as negociações que o mentor do Football Leaks encetou com Nélio Lucas, responsável máximo da Doyen Sports. Tudo teve início em Outubro de 2015. Rui Pinto — identificando-se como Artem Lobuzov — terá enviado um email a Nélio Lucas, afirmando que tinha em sua posse documentos confidenciais do fundo de investimento. Dias antes, tinham sido publicados ficheiros da Doyen na plataforma Football Leaks.

Rui Pinto terá mostrado disponibilidade para destruir a restante informação, mediante uma “doação generosa”. Após alguns emails, entrou em contacto com Aníbal Pinto para ser seu representante. O hacker pretenderia uma quantia entre os 500 mil euros e um milhão de euros. No encontro que teve lugar na estação de serviço, Aníbal Pinto terá achado piada à preocupação demonstrada por Nélio Lucas e Pedro Henriques, quando estes lhe falaram do valor em causa.

“Vocês estão a brincar? O meu cliente é um miúdo! Alguém dá um milhão a um miúdo? Isso é uma estupidez”, terá dito. Atitude que prova, segundo a defesa, que o advogado nunca teve o objectivo de extorquir alguém. Se tal fosse verdade, Aníbal Pinto “destacaria logo que o seu cliente era uma pessoa perigosa” e “solicitaria, inclusive, a entrega de uma verba superior a um milhão de euros”, pode ler-se no requerimento.

Aníbal Pinto alega que apenas tentou ajudar as duas partes na celebração de um contrato de trabalho. Nesse encontro, ficou combinado que Rui Pinto receberia 25 mil euros por ano durante cinco anos. Caso o hacker viesse a violar a confidencialidade das informações a que tivesse acesso durante esse período, não receberia 100 mil euros de uma cláusula desenhada para este efeito, relata a defesa.

Porém, dias após a reunião presencial, o negócio acabou por desmoronar-se. Quando percebeu que a Doyen não estava efectivamente interessada na negociação, Aníbal Pinto terá enviado um email a Pedro Henriques, colocando um ponto final às conversas. “(…) Sinto que o seu cliente não quer contratar o meu cliente nem os meus serviços. Assim, e como lhe transmiti desde o início, não me sinto confortável com esta situação que pode configurar um crime. Com o qual, em consciência, nunca compactuaria por todos os motivos”, terá escrito.

Ao contrário do que ficou implícito no despacho de acusação do MP, o advogado nega que tenha recuado nas negociações por ter tido conhecimento de que a PJ estaria a investigar o caso. Alega, ainda, que não seria exequível ter tido conhecimento das observações desta autoridade à família e vizinhança de Rui Pinto, que assume terem sido feitas de forma descaracterizada. “A desistência da tentativa [de negociação] não surge aqui subvertida por nenhum condicionalismo extrínseco coactivo, antes foi plenamente voluntária e espontânea”, explica.

Advogado quer provas invalidadas

Por último, Aníbal Pinto questiona a validade das provas que Pedro Henriques, advogado da Doyen, terá encaminhado para a Polícia Judiciária (PJ). De acordo com a defesa, o advogado do fundo de investimento terá enviado para a PJ a correspondência trocada entre ambos, permitindo também que o encontro na estação de serviço em Oeiras fosse gravado pelas autoridades.

No entendimento da defesa, esta conduta viola os códigos de sigilo profissional da advocacia, visto que ambos estavam a dialogar no papel de advogados. Classificando Pedro Henriques como “agente provocador”, Aníbal Pinto pede que todas as provas que terão sido facultadas pelo representante da Doyen sejam consideradas nulas.

Tal como Aníbal Pinto, também Rui Pinto requereu a abertura da instrução. A defesa do hacker tenta invalidar maioria dos 147 crimes de que está acusado. Esta fase só deverá ter uma sessão, prevista para o dia 12 de Dezembro.  

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