Os 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança

As probabilidades continuam a ser poucas para as crianças que vivem em situações mais vulneráveis e de exclusão. Além dos desafios persistentes de saúde, nutrição e educação, hoje as crianças enfrentam novas ameaças, como as alterações climáticas, a exploração online e cyberbullying ou o aumento das doenças mentais.

Em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi adoptada num raro momento de unidade global. Nesse momento, os líderes mundiais assumiram um compromisso histórico com as crianças de todo o mundo: prometeram a todas as crianças protegê-las e fazer cumprir os seus direitos. A Convenção tornou-se assim o tratado de direitos humanos mais amplamente ratificado da história e ajudou a transformar a vida das crianças em todo o mundo.

Contida nesta lei está uma ideia profunda: a de que as crianças não são apenas pessoas pequenas que pertencem aos pais ou adultos. São indivíduos com direitos próprios e alienáveis. A Convenção vem assim reconhecer e formalizar a pessoa Criança enquanto sujeito de direitos próprios, e assinalar a infância e adolescência como tempos especiais, nos quais a criança deve poder crescer, aprender, brincar e desenvolver-se plenamente.

No balanço dos 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança, são inegáveis os ganhos históricos que se fizeram sentir na vida das crianças em todo o mundo, como: a redução da taxa global de mortalidade infantil, que diminuiu em cerca de 60%; a proporção de crianças em idade escolar que não frequentam a escola ter diminuído de 18% para 8%; e a conquista da quase total erradicação de doenças como poliomielite, em que 99% dos casos foram eliminados.

Estas e outras conquistas, realizadas ao longo de três décadas, são a prova de que a vontade e determinação políticas podem mudar a vida das crianças.

Os princípios orientadores da Convenção – a não discriminação; o interesse superior da criança; o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; e o direito à participação – influenciaram também inúmeras constituições, leis, políticas e práticas em todo o mundo.

Assistimos, pois, a ganhos efectivos para as crianças nas últimas três décadas: hoje mais crianças podem crescer e desenvolver-se de forma plena e saudável do que em 1989.

No entanto, este progresso não foi uniforme.

As probabilidades continuam a ser poucas para as crianças que vivem em situações mais vulneráveis e de exclusão. Além dos desafios persistentes de saúde, nutrição e educação, hoje as crianças enfrentam novas ameaças, como as alterações climáticas, a exploração online e cyberbullying ou o aumento das doenças mentais.

Nos países de baixo e médio rendimentos, as crianças das famílias mais pobres têm duas vezes maior probabilidade de morrer de causas evitáveis, ​​antes dos cinco anos, do que as crianças das famílias mais ricas. Apenas metade das crianças das famílias mais pobres da África Subsaariana são vacinadas contra o sarampo, em comparação com 85% das crianças das famílias mais ricas; apesar do declínio nas taxas de casamento infantil em todo o mundo, as meninas de alguns países correm mais riscos hoje.

Em todos os países, em maior ou menor grau, a pobreza, a discriminação e a exclusão social continuam a colocar em risco os direitos de milhões de crianças. Os conflitos armados, a desinformação online ou as alterações climáticas têm um impacto devastador no progresso global.

As crianças têm maior probabilidade de sofrer os impactos das alterações climáticas: mudanças rápidas no clima facilitam a propagação de doenças para novos territórios; o aumento da intensidade e da frequência de eventos climáticos extremos originam insegurança alimentar e hídrica. A menos que sejam tomadas medidas urgentes, a realidade para muitas crianças vai ser ainda mais difícil.

Embora a taxa de vacinação seja maior do que nunca, uma desaceleração nas taxas de cobertura de imunização na última década, ameaça reverter ganhos duramente conquistados na saúde das crianças, por exemplo, a cobertura contra o sarampo estagnou desde 2010, contribuindo para o ressurgimento desta doença mortal em muitos países.

O número de crianças fora da escola estagnou e os resultados de aprendizagem para os que estão na escola permanecem baixos: globalmente, o número de crianças que não estão no ensino primário permanece igual desde 2007. Muitos dos que estão na escola não estão a aprender o básico, muito menos as competências necessárias para prosperar no mercado de trabalho actual.

Em Portugal, e para os 1,8 milhões de crianças a viver no nosso território, preocupa-nos o facto de uma em cada cinco crianças viver em risco de pobreza; de o casamento infantil apresentar uma tendência crescente nos últimos três anos; preocupa-nos também o aumento do número e gravidade dos casos clínicos na área da saúde mental, como a depressão e os comportamentos auto-lesivos, ou o facto de 97% das crianças que não podem viver com a família serem institucionalizadas, apenas 3% destas crianças encontrando uma família de acolhimento.

Para acelerar o progresso no avanço dos Direitos da Criança e travar a estagnação e o retrocesso de alguns desses direitos, precisamos de mais informação: dados e evidência científica; de recursos; de envolver as crianças e jovens na co-criação de soluções; e da aplicação dos princípios de equidade e igualdade, pilares da Convenção, em todos os programas e medidas.  

O mundo em rápida mudança exige soluções inovadoras para enfrentar oportunidades e desafios emergentes e, sobretudo, precisa de um novo alento para a incorporação dos Direitos das Crianças como causa global mobilizadora para um mundo mais justo.

A UNICEF Portugal, fundada em 1979, dez anos antes da adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança, continua empenhada na sua missão, de promoção e defesa dos Direitos da Criança, em colaboração com o Governo e todos os Parceiros. Assim e no âmbito dos 30 anos da Convenção dos Direitos sobre a Criança e dos 40 anos da UNICEF Portugal, a UNICEF organiza no próximo dia 20 de Novembro uma Conferência com o tema “Para Todas as Crianças, Todos os Direitos”, reflectindo sobre a evolução de 30 anos da Convenção e os desafios dos próximos anos para que todas as Crianças tenham uma oportunidade justa na vida.

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