Hong Kong não pode ser Tiananmen
A desobediência civil em Hong Kong é uma versão mais amarga do que agridoce do mantra chinês “um país, dois sistemas”.
A radicalização dos protestos em Hong Kong tem implicado a radicalização da resposta policial e o cerco a que foram sujeitos os estudantes numa universidade só pode acabar com a invasão ou com a rendição. Não é preciso ler Sun Tzu para saber que um inimigo cercado lutará até ao fim.
Pequim e Hong Kong chegaram a um beco sem saída de desfecho imprevisível. Nem os habitantes de Hong Kong tencionam prescindir de liberdades e garantias de que gozam, e que são uma miragem para o comum dos mortais no continente, nem a China permitirá que a sua autoridade continue a ser desafiada desta forma.
O facto de os protestos se terem iniciado com uma proposta de lei, suspensa entretanto, que permitia extraditar detidos para a China, pondo em causa a independência judicial, e de nesta segunda-feira um tribunal ter declarado inconstitucional a proibição do uso de máscaras, que o Governo local decretou com base em legislação da era colonial inglesa, dificilmente será aceitável em Pequim.
Desde o início dos protestos em Junho que a China tem tentado manter a prudência, à qual não é alheia a comemoração dos 70 anos da criação da República Popular, a memória de Tiananmen, o fantasma de Taiwan, a guerra comercial com os EUA ou a condenação internacional dos massacres de que é vítima a minoria uigure.
Os protestos em Hong Kong, de uma população que nunca se sentiu chinesa, serviram de exemplo a outras revoltas — profissionalizaram-se e internacionalizaram-se. E é essa dimensão internacional que embaraça e assusta Pequim. À medida que se agrava a revolta civil, a China poderá sentir-se tentada a aproveitar esse pretexto para uma intervenção violenta. Mas uma repetição de Tiananmen — o exército, novamente, a massacrar estudantes — fará mais pela causa democrática da ilha do que pela imagem internacional da China, deitando a perder todo o marketing de seda que o gigante asiático tem tentado desenvolver. Todavia, e apesar do nervosismo, também não parece provável que a China recue. Rendição não faz parte do léxico chinês e seria um exemplo que teria um eco ensurdecedor, por exemplo, em Taiwan.
Esta é uma versão mais amarga do que agridoce do mantra chinês “um país, dois sistemas”. A anulação deste princípio, defendido pelos mais impacientes, para antecipar a definitiva absorção de Hong Kong pela China, prevista para 2047, representaria o fim da democracia na ilha, mas também traria graves consequências políticas para Pequim. A paciência chinesa está a ser testada.