Polícia aperta o cerco à Universidade Politécnica de Hong Kong e exige rendição total
Batalha campal entre manifestantes antigovernamentais e forças de segurança dura há várias horas e há centenas de pessoas encurraladas no campus universitário. Polícia responde com gás lacrimogénio, canhões de água e balas de borracha para conter fugas. Governo não exclui adiamento das eleições de domingo.
Centenas de estudantes e manifestantes antigovernamentais encontram-se encurralados no campus da Universidade Politécnica de Hong Kong, ao fim de várias horas de confrontos com as forças policiais. Naquele que já é o episódio mais violento desde o início dos protestos, há cinco meses, a polícia exige a rendição e estava a responder esta segunda-feira com gás lacrimogéneo, balas de borracha e canhões de água a quem tenta escapar ao cerco aos edifícios universitários através de saídas não autorizadas. Eleições locais podem ser adiadas.
As autoridades apenas permitem que os manifestantes abandonem o local num ponto específico, através de uma ponte, e na condição de largarem as armas improvisadas e tirarem as máscaras e os capuzes que lhes cobrem a cara. O deputado pró-democracia Ted Hui, que se encontra no campus, garantiu, no entanto, que a passagem se encontra encerrada e por isso o movimento teme uma armadilha.
Um grupo de cerca de cem manifestantes tentou furar o cordão montado pelas autoridades, num outro ponto que não o local autorizado, mas a grande maioria foi imediatamente detida, escreve o South China Morning Post. Os restantes recolheram-se novamente no campus. Horas mais tarde, cerca de 50 manifestantes escaparam através de uma ponte pedonal sobre uma autoestrada, usando cordas para a descida e montando rapidamente em motas que pareciam ter surgido do nada.
“A polícia está a adoptar uma abordagem muito extremada e agora é impossível entrarmos lá para tentarmos alcançar alguma coisa”, diz ao SCMP Rodney Chu Wai-chi, membro da direcção do politécnico, que acusa as equipas de segurança de quererem forçar os manifestantes a render-se.
“Se os radicais largarem as armas, seguirem as instruções da polícia e assumirem as suas responsabilidades jurídicas, a polícia não usará a força”, afirmou, por sua vez, o superintendente-chefe da polícia, Kwok Ka-chuen. “Não vejo outra solução viável para além da rendição”, atalhou o comandante Cheuk Hau-yip.
Na mesma linha, a chefe do governo de Hong Kong, Carrie Lam, criticou o comportamento de alguns dos manifestantes e pediu-lhes para cumprirem as 0rdens das autoridades.
“Houve uma escalada da violência. Para além das flechas disparadas, alguns desordeiros que estão na zona da Universidade Politécnica atiraram tijolos e bombas incendiárias, e incendiaram a ponte pedonal que liga o campus à estação de metro de Hung Hom”, denunciou, numa mensagem publicada no Facebook. “A polícia já fez vários apelos e quem está no campus tem de os ouvir sem demora.”
Penas máximas de dez anos de prisão
As forças de segurança fizeram saber que os que deixarem o local sem resistência podem esperar um castigo mais leve, mas acrescentou que todos os que estão neste momento no campus, com excepção de jornalistas acreditados, serão processados. Podem vir a enfrentar penas até dez anos de prisão. Horas mais tarde, um grupo de manifestantes mais novos deixavam o local, alguns acompanhados pelos pais; não era claro o que lhes iria acontecer.
A polícia do antigo território britânico, administrado desde 1997 pela China, de acordo com o princípio “um país, dois sistemas”, emitiu, entretanto, um comunicado, dando conta de que foi permitida a entrada no recinto de elementos da Cruz Vermelha, que podem transportar os feridos para o hospital “se necessário”.
Cerca de 40 activistas feridos obtiveram autorização para receber tratamento hospitalar (mas deverão ter de ir a tribunal mais tarde). Segundo as autoridades médicas, 116 pessoas deram entrada nos vários hospitais da cidade. Uma mulher está em estado grave.
O South China Morning Post acredita que estarão no campus cerca de 600 pessoas, incluindo estudantes, e diz que foram detidas mais de 400 durante o fim-de-semana – num total de cerca de 4500 detenções desde Junho.
Contactado pela BBC, um manifestante que se encontra dentro da Universidade diz que a situação está calma, apesar de tensa, mas alerta para a escassez de material médico.
Milhares de manifestantes juntaram-se, entretanto, nas imediações da Universidade Politécnica, para protestar contra a polícia e, em alguns casos, tentar romper o bloqueio, gritando: “Salvem os estudantes, salvem a PolyU”.
Campo de batalha
Ocupado por manifestantes pró-democracia há vários dias, este campus universitário tornou-se no epicentro da sua estratégia de desobediência às autoridades policiais e, desde domingo à noite, num verdadeiro campo de batalha.
Bombas incendiárias, cocktails-molotov, tijolos, flechas e fisgas são algumas das armas improvisadas pelos que ali se barricaram para resistir à pressão da polícia, que admitiu usar “balas reais” se continuasse a ser atacada com “armas letais”.
Os confrontos e o cerco prolongaram-se por esta segunda-feira (são mais oito horas em Hong Kong) e ainda prosseguem. Nas redes sociais e nos sites noticiosos acumulam-se vídeos de confrontos, incêndios, colunas de fumo, sons de tiros disparados e destroços vários em redor dos acessos à Universidade Politécnica.
O cenário é de autêntica guerrilha urbana e deve continuar nos próximos dias. E esta segunda-feira um tribunal de Hong Kong declarou inconstitucional a proibição de máscaras decretada pelo governo local, com base em legislação da era colonial. Uma decisão que promete acicatar ainda mais os ânimos e agravar as tensões.
Mais ainda se as eleições para os conselhos dos vários distritos em que o território está dividido forem adiadas. Ao final da tarde, o secretário para os Assuntos Constitucionais e Continentais, Patrick Nip, admitiu que os confrontos na Universidade Politécnica podem pôr em causa as eleições de domingo.
Adiamento de eleições?
“É óbvio que a situação dos últimos dias reduz as possibilidades de realização das eleições tal como estão agendadas”, disse Patrick Nip à rádio RTHK, sublinhando, porém, que não é essa a intenção do executivo. “Adiar as eleições seria uma decisão muito difícil de tomar e só admitimos dar esse passo se for absolutamente necessário.”
A contestação em Hong Kong começou como um movimento de oposição a uma proposta de lei, entretanto suspensa, que permitiria extradições de detidos para a China continental – o que poria em causa a independência judicial do território e facilitaria julgamentos “políticos” de opositores e activistas, segundo os manifestantes –, mas evoluiu para um protesto mais generalizado, que pede uma investigação independente à repressão policial e exige mais democracia.
Países como Estados Unidos e Reino Unido criticaram a repressão policial e a intransigência do governo de Hong Kong. Foram rapidamente contestados por Pequim.
“Ninguém pode subestimar a vontade da China de salvaguardar a sua soberania e a estabilidade de Hong Kong”, reagiu esta segunda-feira o Governo de Pequim, através de um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, citado pela BBC.
Já o embaixador da República Popular da China no Reino Unido falou em “irresponsabilidade” e “interferência” nos assuntos internos chineses. “Já comunicámos a nossa posição aos britânicos por causa dos comentários irresponsáveis sobre Hong Kong”, disse Liu Xiaoming. “Quando o Governo britânico critica a forma como a polícia e o executivo de Hong Kong estão a lidar com a situação, está a interferir nos assuntos internos da China.”