Sem vergonha
Este regime parlamentar está mal, está doente e precisa de uma revisão. O Presidente Marcelo, ex-professor de Direito Constitucional, achou por bem calar-se, excepcionalmente.
As últimas eleições legislativas alteraram substancialmente o quadro parlamentar: surgiram com representação parlamentar três novos partidos, à esquerda o Livre (LV), à direita o Iniciativa Liberal (IL) e na direita radical o Chega (CH). Todos só têm um deputado.
De acordo com o regimento e por aquela diminuta representação, enquanto os grupos parlamentares podem produzir declarações semanalmente, os pequenos partidos só têm o direito a três declarações por sessão legislativa, com uma duração máxima de 10 minutos e têm metade do tempo (um minuto) dado ao governo e às bancadas no caso de debates de projectos e propostas de lei.
Um pequeno partido necessitou cerca de 60.000 votos para eleger um deputado (67681/IL; 67826/CH; 57172/LV), enquanto, por exemplo, a eleição de um deputado do PS ou do PSD correspondeu a cerca de 18.000 votos (17667/PS; 18451/PSD), três vezes menos.
Na legislatura anterior o PAN, também apenas com um deputado, beneficiou da benevolência deste nosso oligárquico parlamento no qual os mandantes PS e PSD tiveram, para aquele efeito, a ajudinha do BE. Agiu como qualquer outro partido e foi-lhe mesmo conferida a qualidade de observador nas conferências dos líderes parlamentares. Mas nem todos mergulharam na vergonha do recurso à Comissão de Assuntos Constitucionais para esclarecimento da disposição regimental que conduz a esta situação ignorada no passado.
Houve deputados que manifestaram a sua discordância e, honra lhe seja feita, o Presidente da Assembleia da República acompanhou-os com o peso do seu cargo.
Mas a vergonha não se fica por aqui. O mesmo governo que, pela sua passividade, dá o seu aval ao silenciamento dos pequenos partidos encontra-se em consultas com os mesmos no que se refere ao Orçamento do Estado. É preciso ter lata e falta de vergonha.
Como pró-memória dos “puristas” regimentais, a designação completa da Comissão dos Assuntos Constitucionais é a de “Direitos, Liberdades e Garantias”. Direitos e garantias retirados a mais de 180.000 eleitores (dez vezes o número de votos no PS).
Este regime parlamentar está mal, está doente e precisa de uma revisão. O Presidente Marcelo, ex-professor de Direito Constitucional, achou por bem calar-se, excepcionalmente. Mas achou indispensável averiguar, mergulhando o olhar no contentor de lixo, a história do bebé deitado fora.
Enfim um escândalo rodeado de vergonhas neste nosso regime político paralamentar.