No Tejo, Espanha deve cumprir com Portugal o mesmo a que se obriga internamente

É preciso que os caudais que Espanha deve entregar a Portugal não sejam mínimos, mas sim ecológicos.

A semana passada ficou marcada por mais um stress hídrico no Tejo. Parece um déjà vu, uma repetição daquilo que aconteceu na seca de 2017. Mais uma vez assistimos a notícias contraditórias entre as fontes oficiais (Agência Portuguesa do Ambiente – APA) e a sociedade civil – ONGA, pescadores, clubes náuticos desportivos, autarcas ribeirinhos de ambos os lados da raia, empresários do turismo e da restauração que dependem do Tejo e o Parque Internacional do Tejo (nomeado Reserva de Biosfera pela UNESCO) para a sua sobrevivência.

Mas, afinal Espanha cumpre ou não cumpre a Convenção de Albufeira? E porque é que só nos lembramos da Convenção quando há seca? E porque é que nem sequer nos lembramos da Comissão de Acompanhamento e Desenvolvimento da Convenção (CADC) que é quem devia dizer se Espanha cumpre (ou não)? E porque é que a CADC permanece muda quando todos falam?

Numa oportuna sessão sobre o Tejo, organizada pela Associação Portuguesa do Recursos Hídricos (APRH) no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em Lisboa, no passado dia 30 de outubro do corrente, os investigadores e especialistas participantes chegaram à conclusão de que, afinal, Espanha cumpre a Convenção. O problema é o modo em como a cumpre. Isto é, as mutações rápidas do caudal do Tejo e especialmente dos seus afluentes (Sever e Ponsul) – cujas dramáticas imagens de rios agonizantes encheram os ecrãs da TV – devem-se a uma gestão do caudal realizado pela Companhia hidroelétrica, que pensa em turbinar e em produzir em horas de ponta – para responder à demanda dos consumidores – e ignora as necessidades do rio e dos seus habitantes. Afinal a “seca” foi artificial. Isto é, o facto de o leito do Ponsul e o Sever estar (ou não) seco, depende da gestão sobre a água armazenada nas barragens espanholas de Cedilllo e Alcántara. Obviamente – apesar da Hidroelétrica ser privada – são as autoridades espanholas que ordenam vazar a jusante toda a água necessária (14 milhões de metros cúbicos diários em setembro) para in extremis cumprir a Convenção.

Então a solução será negociar um novo Acordo? Na minha opinião e da maioria dos especialistas, o problema não é a Convenção, mas sim a aplicação que dela se faz. Ou seja, é preciso que os caudais que Espanha deve entregar a Portugal não sejam mínimos, mas sim ecológicos. Isto é, que não sejam vazados em função da demanda hidroelétrica, mas sim das necessidades dos ecossistemas ribeirinhos. É urgente sentar-se a negociar com Espanha e pedir que aplique no lado português do Tejo o mesmo que no lado espanhol. Isto é: o Acórdão do Supremo Tribunal espanhol (ATS 309/2019, de 11 de março) que obriga as autoridades a garantir um caudal ecológico permanente em diferentes pontos do Tejo (como Aranjuez, Toledo ou Talavera de la Reina). Caudal este que se considera imprescindível para manter os ecossistemas ribeirinhos de modo a restabelecer um equilíbrio natural que permite a vida no Tejo. Ou seja, que o rio seja rio (e não canal). Para tal, não é necessário alterar a Convenção, apenas lembrar que no seu artigo 2.º remete para a legislação da UE, ou seja, a Diretiva Quadro da Água. Mais do que a Convenção é urgente mudar o estatuto da Comissão responsável pela sua aplicação: a CADC. Necessitamos uma autoridade forte, independente e credível que nos diga, de modo fiável, se Espanha cumpre (ou não) a Convenção e que adapte a mesma às alterações climáticas que aí vem e que devem ser combatidas em conjunto de ambos os lados da raia.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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