Senhor Presidente, o que é bom para Espanha é bom para Portugal?
As relações com Espanha são demasiado importantes para se poderem encarar como um estado de alma, uma boutade para Mattarella ver.
Marcelo foi a Itália em visita de Estado, e com Sergio Mattarella (Presidente da República italiana) a seu lado, em relação a Espanha, declarou o que deveria deixar a nação em sobressalto, a começar pelos media – o que é bom para Espanha é bom para Portugal.
Já em 21 de maio de 2018 tinha declarado, em Salamanca, junto do Rei Filipe IV, qual Dom Quixote armado da lança do tempo, que saudava a Espanha una e eterna, em plena crise da Catalunha. Pode um chefe de Estado fazer declarações e manifestar votos acerca dos seus desejos em relação ao país vizinho quando este se encontra em crise?
Marcelo, Presidente da República, em qualquer circunstância e, mais ainda, estando em visita de Estado em Itália, tem o estrito dever de agir como o cidadão português mais responsável face aos portugueses, e também diante da Itália e do mundo.
Bem sabe que há nas relações entre o Estado espanhol e o Estado português questões da maior importância que não estão resolvidas, nomeadamente o corte da água do rio Tejo para Portugal ao sabor dos interesses das empresas hidroelétricas espanholas.
Na verdade, causa gravíssimos danos a Portugal e aos portugueses o que Espanha está a fazer no que ao caudal do Tejo se refere.
Está ainda longe de ser pacífica a forma como a Espanha afronta a soberania de Portugal sobre as Ilhas Selvagens, cuja importância é enorme em termos de águas territoriais e de área económica exclusiva.
Espanha faz parte, tal como Portugal da União Europeia e da NATO, mas tal não pode significar que por esse facto o que é bom para a Espanha seja bom para Portugal, sobretudo quando, a todas as luzes, nos casos supra referidos, o que é bom para Espanha é muito mau para Portugal.
Não se trata de desenterrar o ódio a Castela, mas antes o de ponderar e agir de acordo com os interesses dos portugueses plasmados na Convenção de Albufeira e interpretada de modo a que Portugal não seja tratado como parceiro fraco, incapaz de se rebelar contra a prepotência espanhola.
Marcelo habituou-nos em Portugal a estar sempre na crista da onda, melhor, enredado na espuma dos dias, no que ele chama Presidência de proximidade. O que ele não pode deixar de ter em conta é o equilíbrio de um regime semi-presidencialista configurado na Constituição. Se ele entende que ser Presidente é saltar de episódio em episódio é lá com ele, mas no que concerne às relações externas o caso fia mais fino.
Talvez o nosso Presidente da República viva em permanente insegurança acerca do que é capaz de fazer para ter a maior votação presidencial de sempre e, para tanto, enverede por um populismo soigné.
O impulso para o excesso de pronúncia não pode, porém, passar à frente dos interesses da República portuguesa, pois como toda a gente sabe o que é bom para Espanha pode não ser para Portugal, designadamente em relação ao caudal do Tejo e às Ilhas Selvagens. Como bem sabe Marcelo. Esta declaração, em Itália, em cima das queixas das populações ribeirinhas do Tejo sem água são desadequadas, em linguagem branda, diplomática.
As relações com Espanha são demasiado importantes para se poderem encarar como um estado de alma, uma boutade para Mattarella ver. Pode achar-se bonito, mas não é bom para uma nação tão antiga, como é a nossa.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico