“Trump estava mais interessado nas investigações sobre Biden”, diz embaixador dos EUA em Kiev
William Taylor afirma que o Presidente norte-americano reteve o envio de ajuda militar à Ucrânia para que o país anunciasse que ia investigar Joe Biden, um dos seus possíveis adversários nas eleições de 2020.
As primeiras audições abertas ao público no processo de impugnação do Presidente norte-americano, Donald Trump, arrancaram esta quarta-feira com a revelação de uma conversa comprometedora para Trump, até agora desconhecida do grande público. Uma das testemunhas mais importantes, o embaixador interino dos EUA em Kiev, William Taylor, reafirmou a sua convicção de que a Casa Branca chantageou a Ucrânia, entre Maio e Setembro, e sugeriu que o próprio Presidente norte-americano disse estar mais interessado em prejudicar Joe Biden e outras figuras do Partido Democrata do que em ajudar o Exército ucraniano a combater contra os separatistas pró-russos no Leste do país.
Nos depoimentos que antecederam o período de perguntas e respostas, William Taylor e outra testemunha, um especialista em assuntos ucranianos no Departamento de Estado, George P. Kent, adiantaram pouco em relação ao que disseram nas audições à porta fechada, em Outubro.
Na prática, ambos confirmaram o que foi sendo avançado pelos jornais nas últimas semanas. As audições desta quarta-feira, transmitidas pelas televisões, servem para que o Partido Democrata leve até ao grande público, em directo e pela voz das próprias testemunhas, os seus argumentos a favor da impugnação do Presidente Trump.
Mas o embaixador interino dos EUA em Kiev tinha uma nova informação para transmitir à Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, que lidera as investigações no processo de impugnação – uma informação que, disse, não tinha em sua posse quando foi ouvido em Outubro.
Segundo Taylor, o actual embaixador norte-americano na União Europeia, Gordon Sondland, disse a um dos funcionários da embaixada em Kiev, no dia 26 de Julho, que a prioridade do Presidente Trump para a Ucrânia era garantir que o país anunciasse em público que ia investigar Joe Biden e o seu filho, Hunter Biden.
Por essa altura, a Casa Branca tinha congelado o envio de um pacote de quase 400 milhões de dólares para ajuda militar à Ucrânia, e tanto William Taylor como George P. Kent dizem que essa era uma das duas moedas de troca em cima da mesa. Se o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, não anunciasse em público que ia investigar Joe Biden e o seu filho, Hunter Biden, podia esquecer os 400 milhões de dólares e a promessa de uma reunião na Casa Branca com o Presidente Trump.
Sondland em xeque
“No final de uma conversa ao telefone [entre Gordon Sondland e o Presidente Trump], um elemento da minha equipa perguntou ao embaixador Sondland o que é que o Presidente pensava sobre a Ucrânia. O embaixador Sondland respondeu que o Presidente Trump estava mais interessado nas investigações sobre Biden”, disse William Taylor, confirmando depois, em resposta a uma pergunta do líder da comissão, Adam Schiff, que a ideia de Sondland era dizer que Trump estava mais interessado nas investigações sobre Biden do que na ajuda militar à Ucrânia.
Esta informação é importante porque é a primeira vez que uma testemunha indica, sob juramento, que o Presidente Trump não só estava a fazer pressão para uma troca de favores com o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, como estava a pôr em causa o consenso no Congresso norte-americano de que a ajuda militar à Ucrânia é importante para o interesse nacional dos EUA.
O embaixador interino em Kiev reafirmou que a ideia de reter a ajuda militar enquanto a Ucrânia não investigasse Joe Biden (e uma teoria da conspiração que envolve o país na interferência das eleições norte-americanas de 2016) era “louca”, e que o arquitecto desse plano era o advogado pessoal de Donald Trump, Rudolph Giuliani.
William Taylor contou que esteve na frente de combate no Leste da Ucrânia, onde soldados ucranianos continuam a morrer e a precisar do apoio financeiro dos EUA para evitar o avanço da influência da Rússia. Ao não desbloquear os fundos aprovados pelo Partido Democrata e pelo Partido Republicano no Congresso, a Casa Branca estava a pôr em causa a defesa da Ucrânia e, dessa forma, o interesse nacional em relação à Rússia.
A Casa Branca e o Partido Republicano afirmam que o pedido à Ucrânia para investigar Biden é legítimo, porque o Presidente Trump estava apenas a exigir do novo Presidente ucraniano uma prova de que a sua promessa de combate à corrupção era para ser levada a sério. Segundo os republicanos, não houve troca de favores porque os ucranianos não sabiam que a ajuda financeira tinha sido congelada – uma versão posta em causa por testemunhas ouvidas à porta fechada. Neste sentido, os congressistas do Partido Republicano vão aproveitar as audições em público para tentarem passar duas mensagens: ou o Presidente Trump não fez nada de mal; ou, se fez algo questionável, não é suficiente para ser impugnado.
No lado oposto, o Partido Democrata diz ter provas de que o Presidente Trump deve ser impugnado na Câmara dos Representantes por ter usado o seu cargo para obter ganhos políticos internos e por tentar obstruir as investigações em curso. Com base numa denúncia feita por um agente da CIA e aceite pelo inspector-geral dos serviços secretos norte-americanos (nomeado por Trump), e nos depoimentos de várias figuras respeitadas do Departamento de Estado, o Partido Democrata vai tentar convencer o grande público de que o Presidente Trump abusou do seu poder e deve ser afastado da Casa Branca.
A impugnação é apenas a acusação contra o Presidente, que só pode ser feita pela Câmara dos Representantes. Para que seja efectivamente afastado do cargo, Trump teria de ser condenado no Senado, que servirá de tribunal, o que nunca aconteceu na História do país.
É quase certo que o Presidente Trump vai ser impugnado, com os votos da maioria do Partido Democrata, e é quase certo que não será condenado no Senado, com os votos do Partido Republicano – para haver uma condenação, é preciso uma maioria de dois terços no Senado, ou 67 senadores, e o Partido Democrata só tem 47.
Se as audições públicas na Comissão de Serviços Secretos durarem até ao fim de Novembro ou início de Dezembro, e se a acusação e a votação final na Câmara dos Representantes ficarem resolvidas até ao final do ano, é possível que o julgamento no Senado ocupe o mês de Janeiro. Neste caso, o processo ficará concluído dias antes do arranque das eleições primárias no Partido Democrata, que começam no dia 3 de Fevereiro com a votação no estado do Iowa.