As contas velhas do Novo Banco
As contas do Novo Banco são a expressão de um vício alimentado pelo dinheiro dos outros bancos e pelas garantias públicas.
Ao anunciar ao país um prejuízo de 572,3 milhões de euros até Setembro, o líder do Novo Banco fez questão de sublinhar que “a estratégia de limpeza do legado [do Banco Espírito Santo] tem provado ser a mais correcta”. A pergunta que se impõe perante o optimismo de António Ramalho é óbvia: o que teria acontecido se a estratégia fosse incorrecta? Estaríamos a falar de quantos mais milhões? Descemos ao domínio das probabilidades, talvez até da especulação, mas entre as certezas de António Ramalho e as dúvidas que se colocam há um insuperável dever de esclarecimento. Temos o direito de saber o que se passa com as contas do Novo Banco. Já não chega um relatório e contas.
Para já, suspeitamos que os 3,9 mil milhões de euros que o Estado português deu como garantia quando vendeu 75% do banco ao fundo norte-americano Lone Star vão ser gastos até ao último cêntimo. Como se trata de dinheiro pedido em nome dos contribuintes e resultante de entregas dos outros bancos, via Fundo de Resolução, as perdas brutais do Novo Banco dizem-nos directamente respeito. Temos o direito de desconfiar que o terrível legado do BES se tornou uma explicação fácil para tudo. Até à data, o Novo Banco já consumiu dois mil milhões de euros para limpar as perdas desse legado e de cada vez que se acredita que o pior já passou, o trimestre seguinte desfaz por completo essa ideia com uma factura ainda maior (390 milhões entre Janeiro e Setembro do ano passado para 572,4 milhões este ano).
O negócio com a Lone Star foi ruinoso. Que colocou o Estado e o Fundo de Resolução refém de uma garantia que convidava a gestão do Novo Banco a não fazer pela vida – para quê trabalhar muito se há alguém que pague a conta? As contas do Novo Banco são a expressão desse vício alimentado pelo dinheiro dos outros bancos e pelas garantias públicas. Nem o aumento da procura e dos preços de imóveis ou terrenos, nem o aquecimento da economia, nem os resultados positivos dos restantes bancos foram capazes de motivar uma inflexão dessa propensão. O Estado, a banca e os contribuintes tornaram-se vítimas de contratos blindados e de operações com nomes tão gloriosos como o do general romano Sertório que acabam sempre em perdas impensáveis.
Está na hora de o Governo e de a Assembleia saberem tudo o que se passa em nosso nome. Queremos saber o que foi vendido, a quem e a que preço para podermos descansar do pesadelo. Já não é só o dinheiro que está em causa; é, principalmente, uma questão de decência.