William Tyler canta histórias sem dizer uma palavra
O guitarrista americano, autor este ano do magnífico Goes West, cria música instrumental que contém em si uma multidão de vidas e paisagens. Antes da passagem por Espinho, Portalegre e Lisboa, fala de um álbum marcado pela sua mudança para a Califórnia, “uma terra de sonhos e ilusão, de muito optimismo perante a decadência social e ambiental”.
O americano William Tyler fala muito e longamente sobre os temas que mais o tocam, seja a situação política no seu país, a que, definindo-se como socialista, se opõe com fervor, seja a crise ambiental que, sendo alguém que cresceu entre as vastas paisagens naturais do sul dos Estados Unidos, o toca profundamente. Tyler fala longamente do seu desejo de mundo e de como a sua vastidão e a fascinante tapeçaria de histórias nos reconduzem ao essencial, ou seja, à nossa condição de indispensáveis nessa construção, onde quer que tenhamos nascido.
Tyler, guitarrista inspirado e compositor de uma rara sensibilidade (o dedilhado inicia o discurso, os arranjos tornam-no tocante e eloquente) fala de música, de como seguiu uma trajectória que o afastou das suas raízes na capital da country, Nashville, Tennessee, e de como, passo a passo, se reconciliou com ela à medida que ia editando discos como Modern Country, o terceiro da discografia, e Goes West, o magnífico quarto, aquele que trará a Portugal para três concertos a solo: Auditório de Espinho, 8 de Novembro (21h30, bilhetes a 8€), Centro de Artes do Espectáculo, Portalegre, dia 9 (21h30, 4€), e Lisboa, Teatro Bocage, dia 10 (19h, 12€).
William Tyler fala muito e longamente, mas nem uma palavra se ouve na sua música. “Julgo que o quer que seja que tenha a dizer ao mundo, não o farei na forma de uma canção com letra”, explica em entrevista por email com o PÚBLICO. Pelo que ouvimos em Behold the Spirit, a estreia em 2010, em Impossible Truth, chegado em 2013, e nos supracitados Modern Country (2013) e Goes West, editado no início deste ano, acreditamos que não precisa.
Características líricas
Tyler é descendentes dos fingerpickers que deram novos horizontes à música de raiz americana, como John Fahey e Robbie Basho, e é par daqueles que, próximos do nosso tempo, revitalizaram essa ligação às raízes com uma guitarra como guia (é frequentemente associado a Jack Rose, falecido precocemente em 2009). “Penso por vezes se a minha música não será ‘demasiado’ americana e desejo que o que faça a seguir não seja tão explicitamente devedor de esquemas de composição americanos”, afirma. “Dito isto, o primeiro tema [de Goes West] é muito influenciado pela música clássica da Europa de Leste”, acentua com um justo ponto de exclamação vincado no fim da frase – e tem razão, e é a forma como combina folk telúrica com uma sensibilidade jazz e com motivos resgatados a outras latitudes que torna a sua música especialmente rica e evocativa de palavras e imagens, o que é patente nos arranjos de Goes West (além das guitarras, baixo e bateria, incluem o bandolim, mellotron, sintetizadores ou vibrafone).
Para chegar ao segredo da música de William Tyler, é necessário acrescentar àquela genealogia o facto de estarmos perante alguém que iniciou o seu percurso ao lado de compositores de canções de verbo inspirado, como os Lambchop de Kurt Wagner ou os Silver Jews do tragicamente desaparecido David Berman. Talvez não espante, por isso, que a sua música revele uma tão admirável capacidade para contar histórias em som. “O meu estilo de música instrumental parece apelar a pessoas interessadas na música de singer songwriters tradicionais e na música indie”, reconhece, antes de acrescentar, “mas não sei verdadeiramente porque existe essa ligação”. Modesto, conclui: “Talvez o meu estilo de composição tenha características líricas”. Ele diz talvez, nós afirmamo-lo com convicção. Temos os discos como prova.
Se Modern Country era Americana em Technicolor, o que lhe valeu os aplausos não só daqueles que o seguem atentamente desde o início, mas também da comunidade country com centro em Nashville, Goes West, criado depois da sua mudança para a Califórnia, coloca-nos num cenário habitado por paisagens e personagens específicas. É um álbum luminoso, coração bombeando esperança mesmo nos momentos em que se instala uma terna melancolia. “Julgo que viver na Califórnia teve uma influência muito específica no som do álbum”, afirma. “É uma terra de sonhos e ilusão, de muito optimismo perante a decadência social e ambiental”. Não se tome isto por fuga, por um ignorar da realidade. Na sua riqueza expressiva, na sua construção meticulosa, é a afirmação de uma esperança. “Acredito na beleza e na imaginação da América, que estão relacionadas com a natureza, com os vastos espaços abertos e a paisagem. Há uma espécie de optimismo e orgulho na raiz dos americanos que acredito que poderá sair vitoriosa, se conseguirmos mudanças nas eleições [de 2020]”.
Raiz fundas nas terras que o viram nascer, olhos e ouvidos alerta ao mundo, é isso que nos tentará mostrar quando, sozinho com a sua guitarra, subir a palco em Portugal. Não haverá alinhamento definido. “Espero que a sala de cada concerto e o público me mostrem a direcção que a noite tomará”. Nos próximos dias, vamos guiá-lo e ser guiados por ele. Diálogo frutuoso.