Draghi pede “mais Europa” e um desígnio: combater as alterações climáticas
Merkel agradece a Draghi pelo papel na resposta à crise, Draghi cita Merkel para falar do futuro da Europa.
A poucos dias de deixar a liderança do Banco Central Europeu (BCE) e passar a bola a Christine Lagarde, Mario Draghi deixou um derradeiro apelo aos líderes europeus para que encontrem uma causa comum capaz de impulsionar a integração na política orçamental. E esse desígnio, disse, pode estar no combate às alterações climáticas.
Seja qual for o caminho que a Europa encontre, “é hora de mais Europa, não menos”, disse o ainda presidente do BCE durante uma cerimónia organizada esta segunda-feira em Frankfurt para assinalar os oito anos do seu mandado, que termina na quinta-feira.
Draghi fala em “mais Europa”, como o próprio sublinhou, “não de uma forma axiomática, mas nas verdadeiras tradições do federalismo”. Draghi separou as águas: “Naquilo em que os resultados podem ser melhor alcançados através de políticas nacionais, deixe-se continuar assim. Mas naquilo em que só podemos cumprir as preocupações legítimas da população trabalhando em conjunto, precisamos que a Europa seja mais forte”.
A zona euro caminha para a criação de um orçamento comum para apoiar a convergência e financiar reformas estruturais, terá um mecanismo de estabilização financeira com mais poderes, mas não como pediam a Comissão Europeia e o presidente francês, Emmanuel Macron.
Draghi, reconhecendo que “o caminho para uma capacidade orçamental [da zona euro] será provavelmente longo”, recuou nove décadas para, olhando para o passado, pedir um impulso aos líderes europeus. “A história mostra que raramente os orçamentos foram criados com o objectivo geral de estabilização, mas sim para responder a objectivos específicos de interesse público. Nos Estados Unidos, foi a necessidade de superar a Grande Depressão que conduziu à expansão do orçamento federal nos anos de 1930. Para a Europa, talvez seja preciso uma causa urgente, como a mitigação das alterações climáticas, para existir um foco colectivo como esse [nos EUA]”.
A ouvi-lo em Frankfurt estavam a chanceler alemã, Angela Merkel, Macron, Lagarde, Ursula von der Leyen (a próxima presidente da Comissão Europeia). Draghi foi o rosto das políticas expansionistas do BCE nos últimos anos e várias vezes ao longo do seu mandato deixou recados aos países com mais margem orçamental para investirem e aumentarem a despesa. A dias de sair de cena, reconheceu que não haverá uma solução perfeita e que é preciso uma “capacidade orçamental de dimensão e concepção adequadas: suficientemente grande para estabilizar a união monetária, mas destinada a não criar riscos morais excessivos”. Porque, disse, “quando os riscos são partilhados, o risco moral nunca pode ser reduzido a zero, embora possa ser muito contido pelo desenho adequado [dessa solução]”. Mas ao mesmo tempo “a partilha de riscos pode ajudar a reduzir os riscos.”
De saída, Draghi deixou preparado um novo pacote de estímulos que inclui um regresso do BCE às compras líquidas de dívida pública de 20 mil milhões de euros por mês. A sua sucessora, Christine Lagarde, terá de lidar com as divisões internas no conselho de governadores, onde a retoma do programa de compras merece críticas dos responsáveis dos bancos centrais da Alemanha, Holanda, Áustria e França.
De Macron e de Merkel, Draghi recebeu elogios sobre o seu papel no controlo da crise da zona euro, momento em que alguns chegaram a admitir o fim da moeda única. “Hoje, oito anos depois, estamos muito longe disso; ainda temos problemas, mas estamos muito mais fortes”, salientou Merkel, agradecendo a Draghi o seu “um contributo crucial”.
Ele que acalmou os mercados com a frase “fazer tudo o que for preciso” para salvar o euro, escolheu citar Merkel no seu discurso de hoje e lembrar o que disse a chanceler em 2017 sobre o futuro da Europa: “Nós, europeus, temos de tomar o nosso destino nas nossas próprias mãos se quisermos sobreviver como comunidade”.