Porto e Gaia: uma insustentável visão política do seu património mundial
Rui Moreira demonstra uma ignorância profunda sobre o que significa ser representante de uma entidade, neste caso a Câmara Municipal do Porto, que é gestora de um património de valor universal.
A propósito do parecer negativo do ICOMOS-Portugal sobre o projecto de construção de uma torre de vinte metros encostada à Estação de S. Bento e do balanço que o mesmo fez sobre o impacto de muitas obras ditas de reabilitação na cidade histórica do Porto, Rui Moreira, com a arrogância que o caracteriza, acusa este organismo de desconhecimento ou de ser apenas um clube de amigos que sofre de portofobia. Ora o que este autarca demonstra é uma ignorância profunda sobre o que significa ser representante de uma entidade, neste caso a Câmara Municipal do Porto, que é gestora de um património de valor universal. Para que fique claro, o ICOMOS é um organismo internacional que reúne 10.500 membros em 151 países, membros esses das mais variadas áreas técnicas relacionadas com a conservação de monumentos e sítios, “sendo apenas, e só»”, o consultor técnico da UNESCO quando se trata de avaliar o Património Mundial, auxiliando países em todo o mundo em matérias tão diversas como medidas a tomar em caso de guerra, ou como levar a cabo a reconstrução da igreja de Notre-Dame de Paris.
Quando, em 1996, Portugal, e por arrasto a cidade do Porto, assumiram o compromisso de acatar as regras inerentes à inclusão deste território – Cidade do Porto, Ponte D. Luís e Serra do Pilar (mais respectiva Zona de Protecção) – na reduzida lista do património da humanidade, estavam a garantir que cumpriam as normas e as restrições incluídas em cartas internacionais e outros documentos produzidos pelo ICOMOS. Esse comprometimento implica, acima de tudo, que se compreenda que o que se insere em determinado perímetro classificado deste modo deve ser entendido como tendo valor universal, não sendo por isso apenas um património de determinado país, muito menos sujeito a uma determinada visão política sempre tão transitória.
Se mereceu a atenção da UNESCO e por todos foi celebrado, é porque esse território ou monumento o merecia, sendo agora, para o bem e para o mal, no caso do Porto e de Gaia, o epicentro de todas as atenções, de todos os negócios e de todos os turistas. Assim sendo, não se entende que possa ser tão difícil para os autarcas destas cidades compreenderem que “Património Mundial” não é apenas uma “marca”, um galardão para colocar na lapela, mas que implica grandes responsabilidades perante o mundo, é perceber que sobre todos os projectos que se inventem para esses territórios, torres panorâmicas, marinas, hotéis lacustres, empreendimentos em antigas caves de vinho, e tantas outras mil iniciativas de promoção turística, não farão do Porto ou de Gaia territórios com maior valor pois ele já existe e é mundial!
A questão que fica é só uma: querem de facto assumir o património único que têm? “Pois olhe, não parece”, e sinceramente não vão convencer ninguém minimamente informado que aqueles territórios necessitam de ser valorizados dessa forma. São todos os edifícios sem assinatura de arquitecto, é a estação de comboios mais bonita do mundo, são as ruas e os seus jardins, são os comércios locais, as pessoas que lá moram e tantas pequenas coisas autênticas e únicas que dão vida às suas cidades, não necessitando, por isso, de mais visões iluminadas de curtas vistas.