Trudeau luta por segundo mandato depois de meses de casos polémicos
Sondagens para as eleições legislativas desta segunda-feira mostram o Partido Liberal, no Governo, empatado com o Partido Conservador.
Houve uma altura em que Justin Trudeau era o exemplo do líder mundial bem-sucedido. Amigo de Barack Obama, com créditos por ter sido a sua “marca” que ajudou a elevar o Canadá no palco mundial. Chegou a ser usado como símbolo: antes de ser eleito, o Presidente francês, Emmanuel Macron, era “o novo Trudeau”.
O primeiro-ministro canadiano foi eleito em 2015 numa onda de entusiasmo com a sua promessa de fazer política de forma diferente e de governar de modo transparente. Defendeu direitos humanos, minorias, refugiados, clima. A sua campanha teve um eco particular nos jovens.
Mas quando os canadianos votarem esta segunda-feira, o cenário é diferente: as credenciais foram sendo postas em causa por vários episódios, todos há menos de seis meses, e nas sondagens o Partido Liberal de Trudeau aparece praticamente empatado com o Partido Conservador, de Andrew Scheer, com cerca de 30% dos votos (a média das sondagens feita pela TV pública CBC dá 31,7% aos conservadores e 30,8% aos liberais).
Segue-se o Partido Nova Democracia, de Jagmeet Singh, com 18,8% segundo este agregador de sondagens, os Verdes, de Elizabeth May, com 8,3%, e o Bloc Québecois, que só existe no Quebeque, de Yves-François Blanchet.
O primeiro, e talvez o mais problemático, caso a prejudicar Trudeau foi o que envolveu a sua ministra da Justiça e procuradora-geral, Jody Wilson-Raybould, em Março, por causa de um julgamento de uma empresa de engenharia suspeita de em 2001/2002 subornar o líder da Líbia, Muammar Kadhafi, para ganhar contratos lucrativos neste país.
O primeiro-ministro queria que houvesse um acordo em que a empresa pagava uma multa em vez de ir a julgamento. Wilson-Raybould, que não quis pôr em causa a decisão dos procuradores levarem o caso a julgamento, acusou Trudeau de a ter pressionado e de ter recebido ameaças veladas de pessoas próximas do primeiro-ministro.
Trudeau não negou ter conversado com Wilson-Raybould para tentar esta solução, mas nega que tenha havido pressões, como acusa a ex-procuradora.
O segundo episódio foi em Junho, quando o Governo aprovou o projecto de expansão do oleoduto Trans Mountain, visto pelos ambientalistas como um passo atrás na política do Canadá reduzir emissões.
A principal medida ambiental do Governo de Trudeau foi um “imposto de carbono”, que aumenta impostos sobre fontes de energia conforme as emissões de CO2 (o carvão é taxado para ficar mais caro que o gás natural, por exemplo) - Sébastien Jodoin, professor da Universidade McGill (Montréal), diz que se o Governo continuar apenas com as políticas actuais, isso será “insuficiente” para cumprir as metas do Acordo de Paris.
Mas Jodoin acrescenta que apesar disso, as medidas de Trudeau foram “as mais ambiciosas que já houve no Canadá”.
O terceiro caso foi a vinda a público de várias fotografias de um jovem Trudeau em festas em que aparece mascarado, com a cara pintada de negro ou castanho. Uma prática conhecida como blackface, que em especial no mundo anglo-saxónico remete para os espectáculos no século XIX, num período de racismo institucionalizado e escravatura, em que brancos faziam papel de negros com as caras pintadas e com características físicas exageradas e estereotipadas. Trudeau pediu desculpas.
A oposição criticou-o, começando pelo conservador Andrew Scheer, que acusou Trudeau de “uma total falta de discernimento e integridade”, para concluir que “não está apto a governar o país”. Uma acusação que não soou convincente, porque Scheer tem sido acusado por manter candidatos que fizeram comentários racistas ou homofóbicos – desde que tenham pedido desculpas, Scheer não diz ver motivos para os afastar.
O caso blackface beneficiou Jagmeet Singh, do Novo Partido Democrático, o primeiro líder de um partido do Canadá que não é branco. As suas palavras foram não para Trudeau, mas para quem já se tenha sentido discriminado pela cor da sua pele: “Não quero que desistam do Canadá, e por favor, não desistam de vocês próprios!”.
Singh, cuja imagem de marca é um turbante – que pertence à religião sikh – teve uma subida de popularidade e pondera aliar-se apenas com Trudeau, podendo ser uma resposta para uma coligação ou apoio a um governo liberal.
Quem pode ter a vida facilitada pela importância da ecologia no debate eleitoral são os Verdes. Mas Elizabeth May, a líder do partido, não conseguiu capitalizar o interesse, e muitos neste país produtor de petróleo temem que as suas propostas sejam demasiado radicais e com uma aplicação demasiado rápida, diz o New York Times.
Isto, apesar de as emissões de gases com efeito de estufa do Canadá estarem mais altas do que nos anos 1990, diz a BBC. O país de 37 milhões de habitantes está entre os dez que mais produzem gases com efeito de estufa e também é um dos que mais emitem per capita, aponta ainda a emissora britânica.
May não se comprometeu com um parceiro de coligação preferencial, dizendo que ouviria ambos os partidos potencialmente mais votados. Portanto, o cenário pós-eleitoral está aberto para várias possibilidades.
Na recta final da campanha, Trudeau recebeu um apoio inesperado e inédito: no Twitter, o antigo Presidente Obama, que é muito popular no Canadá, disse que o mundo precisava de mais líderes como Justin Trudeau. Este respondeu com um curto agradecimento.