Trudeau tentou interferir na Justiça e já não é o príncipe perfeito do Canadá

Acusado pela sua ex-ministra da Justiça de pressões para não se acusar criminalmente uma empresa suspeita de suborno à família Kadhafi, o primeiro-ministro enfrenta pedidos de demissão. Danos na sua imagem podem ser graves em ano de eleições.

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Trudeau é acusado de pressão indevida pela sua ex-attorney general Shannon VanRaes/REUTERS

Justin Trudeau, que pôs a imagem do Canadá nos píncaros, como um primeiro-ministro que, além de bem parecido, se apresenta como feminista, campeão dos direitos humanos e das minorias e que abriu a porta aos refugiados e defende a transparência na governação, está a ser apanhado num escândalo que ameaça estragar esta imagem de príncipe perfeito e pode pôr em causa a sua reeleição em Outubro.

A sua ex-ministra da Justiça e attorney general, Jody Wilson-Raybould, fez declarações no Parlamento, na quinta-feira, a confirmar que elementos do gabinete de Trudeau, e o próprio governante, a pressionaram para que não processasse uma grande empresa canadiana, suspeita de ter subornado a família do falecido líder líbio Muammar Kadhafi.

Estas declarações, que confirmam os artigos que o jornal Globe and Mail tem vindo a publicar desde o início de Fevereiro sobre a demissão de Wilson-Raybould – depois de ter sido abruptamente despromovida, da justiça para o Ministério dos Assuntos dos Veteranos – levaram a oposição a apelar à demissão do primeiro-ministro.

“Fui alvo de um esforço consistente e continuado de muitas pessoas no Governo, que tentaram interferir politicamente no meu papel de attorney general do Canadá, num esforço inapropriado”, afirmou Wilson-Raybould, uma advogada de origem Kwakwaka’wakw (Columbia Britânica) – um dos primeiros povos do Canadá –reconhecida pela sua integridade.

O Globe and Mail noticiou que Wilson-Raybould tinha sido pressionada a abandonar a intenção de processar a empresa de engenharia SNC Lavalin, com sede no Quebec – a província pela qual é Trudeau foi eleito – por ter pago 48 milhões de dólares canadianos (32,6 milhões de euros) à família de Kadhafi, entre 2001 e 2011, para garantir que lhe seriam atribuídos contratos lucrativos.

Se for considerada culpada, esta empresa pode ser impedida de concorrer a projectos a nível federal no Canadá durante uma década – o que pode ter forte impacto na economia do Quebec, onde a empresa tem pelo menos 3400 pessoas, para além de 50 mil em todo o mundo, diz o jornal The Guardian.

Trudeau, e pessoas próximas dele, terão tentado convencer Wilson-Raybould a fazer um acordo com a empresa, que lhe permitiria pagar uma multa em vez de ir a julgamento. Isto evitaria que ficasse proibida de concorrer a contratos federais, se viesse a ser condenada.

A ex-ministra da Justiça, no entanto, não aceitou a pressão, nem interferir na decisão da sua equipa de procuradores. E disse ter-se sentido “perseguida” e “cercada” por membros do Governo de Trudeau. Diz recordar-se de pelo menos dez telefonemas e dez reuniões por causa deste caso.

O primeiro-ministro não nega que ele e a sua equipa falaram com Wilson-Raybould sobre a SNC-Lavalin. Mas disse que “sempre agiram de forma apropriada” e que não concorda com o testemunho por ela prestado. Disse que a sua maior preocupação eram os empregos na Lavalin e as implicações para os pensionistas.

Os conservadores, na oposição, não perderam tempo e pediram a demissão do primeiro-ministro liberal, dizendo que perdeu condições para governar. “Trudeau não pode esconder o facto de que esteve no centro de uma tentativa de interferir num processo-crime”, afirmou o líder do Partido Conservador, Andrew Scheer.

Trudeau não ligou a esta provocação, mas o caso pode ter sérias repercussões em termos eleitorais. Nos Liberais, no entanto, a sua posição não parece tremida. Teve esta sexta-feira o apoio público de uma aliada importante e possível sucessora, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Chrystia Freeland, o que mostra que não há uma forte pressão interna para o afastar.

“Claro que apoio o primeiro-ministro a 100%... Tenho claramente a opinião que o primeiro-ministro nunca aplicaria pressão indevida”, disse Freeland na televisão pública.

De qualquer forma, ao ser apanhado nestas malhas, acusado de manobras políticas pouco limpas para proteger os interesses de uma empresa suspeita de corrupção, Justin Trudeau fica com a imagem chamuscada. “É como assistir ao atropelamento de um unicórnio por um camião”, escreveu a comentadora política canadiana Leah McLaren no britânico The Guardian.

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