Ainda não caí em mim. Desde o dia em que se apresentou o Governo ao Presidente da República, não sei mesmo o que pensar. Passa por descrença, indignação. Tristeza.
Não esperaram pelo meu voto.
Sou emigrante há 18 anos. Desde então, digo sempre, sou ainda mais portuguesa. Faço questão de estimar ligações profissionais ao meu país, regresso com regularidade, contribuo para a economia. Faço pastéis de bacalhau para as festas da escola. Partilho Saramago e Peixoto na troca de livros da biblioteca. Exibo, espampanante, os brincos com coração de filigrana, visto a camisola das Quinas, mesmo que lá no fundo não ligue a futebol. Orgulho-me. Olho de fora para dentro, reconheço-me. Pertenço.
Apresentar Governo sem contar os votos dos emigrantes é dos sinais mais dilacerantes que uma nação pode enviar à sua diáspora. Estafamo-nos a trabalhar. Carregamos tijolos, lavamos escadas, queimamos neurónios. Fazemos horas extraordinárias e guardamos os dias de férias para ir a Portugal. E, em cima de tudo isto, carregamos ainda o peso extra da distância e da saudade.
Depois de um esforço irracional inicial (mais de 30 toneladas em boletins de votos, transportadas por esse planeta fora...), esta semana deitámos ao lixo sustentabilidade energética e emocional. Claro que sim, há quem não ligue nenhuma a eleições; basta olhar para os resultados para se ver que tal não é sintoma só de emigrante. E claro que sim, algo tinha que correr mal; os votos completamente em falta da África do Sul não equivalem, certamente, ao desinteresse global.
Deste lado, estamos todos tristes e decepcionados. Mas também estamos todos (ou pelo menos muitos de nós) disponíveis para opinar e pensar conjuntamente em formas de melhorar o sistema. Não teríamos nós capacidade para recorrer mais e melhor a meios digitais? (Bem aventuradas as inocentes tentativas de voto por email...) E se a campanha eleitoral dura a eternidade que dura, não há maneira de alargar a janela do voto antecipado e antecipar a recepção dos votos para antes da data da ida física às urnas?
Perguntam-me agora: e se, como é o mais provável, nada mudar na próxima vez? Eu sei o que não vou fazer. Não rasgarei o envelope. Não deixarei de ir o quanto antes aos correios. Se calhar, desta vez ponho selo ou envio em carta registada. Porque não quero — e não vou — desistir de ser mais portuguesa.