“Quiosque do piorio” demolido e espaço público sem futuro anunciado

“Conceito” da Câmara do Porto para a esquina da Avenida Rodrigues de Freitas com a Rua D. João IV não era conciliável com manutenção do quiosque, argumentou a autarquia. A estrutura começou a ser demolida - mas executivo de Rui Moreira não divulga o que fará naquela zona

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Quiosque foi ocupado pela The Worst Tours em 2016. Autarquia cancelou contrato em Maio de 2018 Nelson Garrido

“O quiosque do piorio está morto, longa vida ao quiosque!” A mensagem – acompanhada por uma fotografia do quiosque já semi-demolido – era o anúncio do funeral no qual a The Worst Tours recusava acreditar. Na terça-feira à noite, a estrutura junto à Biblioteca Municipal era quase um esqueleto e os lamentos subiam de tom no Facebook da associação que desde 2012 mostra a portuenses e turistas a cidade para lá dos mapas turísticos. Questionava-se a decisão camarária, mostrava-se incredulidade e tristeza. Em português e noutras línguas. A Câmara do Porto já tinha avisado ter para aquele local um outro “conceito” e que o “arranjo público” programado não era conciliável com o quiosque. Em Setembro, 15 meses depois de a The Worst Tours ter sido obrigada a abandonar o local, assumiu estar ainda a ponderar o “destino” do quiosque, sem declinar a “hipótese de remoção do mesmo”. Agora, a demolição avançou. Para dar lugar a quê? É uma réplica ainda sem resposta.

O quiosque construído entre os anos 60 e 70 foi ocupado pela The Worst Tours em 2016, dando vida ao espaço municipal desocupado há pelo menos uma década. Projecto de três arquitectos desempregados a resistir à emigração em tempos de austeridade, foi ganhando estatuto e merecendo a atenção da imprensa internacional a partir de um pequeno quiosque amarelo. O “metro quadrado mais optimista do Porto” transformou-se em símbolo de liberdade de expressão, aceitando a colagem de qualquer cartaz, recorte de jornal, palavra de ordem. Mas também utopia de uma outra cidade, onde se abraça o turismo sem esquecer o Porto real.

Nelson Garrido
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Nelson Garrido

Quando o executivo comunicou à Associação Simplesmente Notável a intenção de cessar o contrato, Margarida Castro Felga e Pedro Figueiredo, os actuais rostos do projecto, fizeram uma contra-proposta. Estavam disponíveis para comprar aquele equipamento. Mas Moreira disse não. Propuseram um contrato de comodato, com a ideia de dar palco a todos quantos quisessem ocupar o quiosque. Moreira voltou a recusar.

No fim de Maio de 2018, fez-se a “festa de encerramento”, mas com esperança num outro desfecho. Margarida Castro Felga mantinha-a até esta terça-feira. “Não acreditava que mandassem abaixo…”
Mas mandaram.

Questionada pelo PÚBLICO, a Câmara do Porto manteve o silêncio, recusando explicar qual o plano que tem para aquela zona oriental da cidade. E por que razão o destino deste quiosque foi diferente dos restantes 30 quiosques municipais. A Direcção Regional de Cultura do Norte também não esclareceu se emitiu parecer para a demolição deste quiosque, inserido em zona protegida. 

Em Setembro, a autarquia levou a hasta pública três destas estruturas e as licitações subiram a preços inalcançáveis para a maioria. Segundo avançou o Jornal de Notícias na altura, um deles, que tinha uma base de licitação de 3700 euros, chegou aos 11800 euros por mês. Na cidade, existem neste momento 22 quiosques municipais concessionados, a desenvolver actividades como venda de produtos e serviços de turismo, venda de jornais e revistas e bebidas. E a autarquia adiantou ter intenção de dar o mesmo fim aos que permanecem encerrados.

Foi por testemunhar essa política que Margarida Castro Felga julgava impossível a autarquia demolir um espaço que até podia ser rentável. “Não concordo com a forma como estão a ser feitos esses leilões, inacessíveis a quase todos e a projectos mais artísticos”, afirmou. “Mas até por isso acreditava que não iriam acabar com este quiosque.” A pergunta feita pela arquitecta é a mesma à qual a autarquia recusou responder. “Há-de haver um plano para o local. Vamos querer saber o que é. E estranhamos que não seja discutido em público.”

José Pedro Tenreiro, investigador em História da Arquitectura, ainda se lembra do quiosque junto a São Lázaro funcionar como tabacaria, nos anos 80. Até hoje, encontrou pouca documentação sobre a origem daquela estrutura. Terá sido erguido entre os anos 60 e 70 em terrenos públicos que pertenciam à Biblioteca Municipal. E substituído um outro, mais antigo, ali instalado antes. Se do ponto de vista patrimonial e de arquitectura o quiosque não tinha um “valor extraordinário”, havia para José Pedro Tenreiro um “valor social e humano” a preservar. “Já não temos quiosques como tínhamos há 30 anos. Temos alguns, geralmente prototipados, peças encomendadas que vêm feitas. Aquele era dos poucos que ainda restava sem serem os prototipados ou turísticos.”

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José Pacheco Pereira visitava-o com frequência quando passava pelo Porto. Naquele “pequeno espaço de liberdade na cidade”, fotografava os cartazes e coleccionava-os no Ephemera. Por isso, ao saber do “despejo” da The Worst Tours, em Maio de 2018, não calou a surpresa nem a crítica à Câmara do Porto. “O Quiosque do Piorio pode ser excessivo, esquerdista, nostálgico de um Porto que não era lá grande coisa, mas uma câmara adulta não só deveria conviver bem com esta contestação, como a deveria considerar boa para cidade, onde fazem falta estas vozes”, escreveu no PÚBLICO na altura.

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