O adeus ao “quiosque do piorio” ou o sonho im(possível) de uma outra cidade
Contrato entre associação responsável pelas Worst Tours e a autarquia portuense chega ao fim. O quiosque amarelo vai mesmo ser “retirado”. “Festa de encerramento” acontece esta quinta-feira, ainda com esperança noutro desfecho
O quiosque amarelo da esquina da Avenida Rodrigues de Freitas com a Rua D. João IV vai mesmo ser “retirado”. Se havia dúvidas quanto ao futuro da casa das Worst Tours, o gabinete de comunicação da Câmara do Porto desfê-las em resposta às questões do PÚBLICO. Dada a notícia aos inquilinos do “quiosque do piorio”, como eles próprios lhe chamavam, fica a angústia: Como se convence “o metro quadrado mais optimista da cidade” de que o fim do contrato não tem volta? Não se convence. Margarida Castro Felga recusa-se a acreditar. Pedro Figueiredo também. Os dois arquitectos, rostos do projecto que desde 2012 mostra o lado B da cidade com passeios pelo seu lado menos turístico, não aceitam a ideia do fim de um projecto associativo com sucesso. “Esperamos que mudem de ideias”, comenta Margarida em jeito de esperança: “Não é suposto destruir o que está a uso. Há tanto para fazer na cidade.”
Não foi esse o entendimento do executivo de Rui Moreira. Depois de ter voltado atrás na intenção de cessar antecipadamente o contrato e aceitado que o mesmo se prolongasse até ao fim de Maio, a autarquia disse não à proposta de compra feita pela Associação Simplesmente Notável, que em 2016 deu uso a um quiosque dos anos 60 e sem vida há coisa de uma década. Falou-se de demolição, de uma “eventual hasta pública de arrendamento”. Mas a decisão ficou-se pela retirada do edifício público, não esclarecendo a autarquia o que fará com ele depois disso: “Naquele local não deve haver um equipamento daquele género e formato, face ao conceito que [a câmara] tem para aquele espaço”, esclarecem, e por isso “o contrato termina naturalmente”.
Os criadores das Worst Tours não desistem, apesar de o fim do quiosque não significar a extinção dos passeios. A caminho do gabinete de Rui Moreira está “(só mais uma) carta de amor pelo quiosque”, onde propõem à autarquia um “contrato de comodato” com a associação, que se compromete a “mantê-lo aberto a todas as participações e intervenções e a manter o exterior do quiosque como espaço para colagem de cartazes, como tem funcionado.” No mesmo envelope segue um abaixo-assinado rubricado por quase 700 pessoas e mais de 450 cartas oriundas de geografias distantes.
Mesmo com sabor agridoce, a “festa de encerramento” — que os arquitectos esperam “temporário” — vai acontecer. E todos estão convidados. Esta quinta-feira, a partir das 15 horas, vários colectivos da cidade juntam-se no quiosque para celebrar a existência de um projecto que é muito mais do que turismo e dois empregos criados. E que tem planos de partilhar o seu metro quadrado.
Assim tem acontecido nas últimas semanas.
Flora Paim e Inés Ballesteros vestiram-se a rigor para dar a conhecer a sua “agência de remediação imobiliária”. Quando souberam que o quiosque estava aberto a outros projectos, começaram a idealizar a 100 Lar, onde a realidade virtual leva numa viagem quem quiser testar o artefacto.
Flora nasceu em Salvador, Inés em Saragoça. Elegeram o Porto para completar um mestrado pela qualidade de vida que tinham identificado por ali. E agora parte dessa visão está a ruir. “Está cada vez mais difícil viver aqui”, lamenta Inés, cujo prédio onde habita já foi vendido por duas vezes em dois anos, com os valores sempre a subir. Estará o seu despejo iminente? Foi para “chamar a atenção” para esta temática que criaram a agência: “Queremos mostrar que ainda há espaços vazios e plantar a ideia do sonho”, diz Flora.
Do Brasil chegou também o “jogo do banco mobiliário” ao Jardim de São Lázaro. Aurora dos Campos, Amanda Copstein e Talitha Filipe desenharam um mapa e convidaram as pessoas a escolher um dos bancos do jardim, onde ouviam uma história e escreviam outra. “A ideia era propor uma pausa, estar de bobeira, envolver-se com algo sensorial”, comenta Aurora. Afinal, quiseram provar, o espaço público pode ter imensas utilidades. E as estudantes, a viver no Porto há oito meses, faziam questão de integrar este momento difícil da vida do quiosque. “A gente desconfia que isto seja ideológico. É muito triste esse olhar trator, que não percebe que a diferença é importante para o bairro e a cidade.”
Assim o entende também o projecto cultural Samba sem Fronteiras que se viu sem casa há coisa de um ano, depois de o seu casarão ter sido promovido o hotel. Para o denunciar, criou o Gentrificasamba — cujo videoclipe foi gravado no quiosque — com uma letra que bem podia tornar-se hino de um protesto: “Fechou o livreiro, fechou a quitanda e o florista/ A cidade vai virar só hotel para turista”.
Pelo espaço passaram ainda a primeira edição do jornal Bomfim, as fanzines Flanzines de João Pedro Azul, uma casa de câmbios com moeda própria, workshops de pintura, desenho e colagens, uma festa no 25 de Abril. E houve até uma visita inesperada de Pacheco Pereira, que sacou do telemóvel para fotografar o edifício e, dizem os proprietários, terá dado o seu parecer: "O despejo é uma tontice."
Se o quiosque continuar, aponta Margarida Castro Felga, terá de ser assim: a abrir portas a novas ideias, projectos sem casa, gente sem palco. Eles sabem que são uma minoria — “basta olhar para os resultados das eleições”, concede Margarida —, mas “as democracias também se caracterizam pela forma como tratam as minorias”. Afinal, “porque quereria a câmara esmagar um quiosquinho que não incomoda ninguém?”