As faces da intolerância humana
Cabe a todos nós, democratas e humanistas, encontrar o antídoto para que esta pequena onda populista e extremista não cresça.
A eleição de um representante da extrema-direita pelo círculo eleitoral de Lisboa para a Assembleia da República revela que Portugal afinal não estava imune a estes ventos (que já sopram há muito na União Europeia) de direita populista, xenófoba e perigosa que não hesita em comprimir direitos fundamentais com “cantos de sereia “ antissistema e anticorrupção, mas que efetivamente são hinos fascizantes, indutores do racismo, preconceito, ódio e violência.
A defesa ignóbil de prisão perpétua (uma hipérbole penal no mínimo desajustada num país que é o terceiro mais seguro do mundo), de quotas para imigrantes, da castração química e da eliminação do cargo de primeiro-ministro são, no mínimo, medidas que devem merecer a nossa absoluta rejeição porque violam a nossa Constituição e configuram óbvios atrasos civilizacionais.
Nestas eleições, contudo, existe uma evolução muito positiva e contrastante com o programa extremista de direita. A comunidade afrodescendente estará representada no Parlamento, com mulheres deputadas por parte do PS, Bloco de Esquerda e do Livre.
O Parlamento, enquanto casa da Democracia e âncora de pluralidade, diálogo argumentativo e tolerância, dará seguramente ao dito representante originariamente oriundo do PSD (foi autarca desse partido em Loures) uma lição sobre o nosso ideário constitucional, recordando-lhe que nos termos do artigo 2.º da CRP, somos uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Saberemos, na verdade, elucidar que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos e que dotados de razão e de consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade”.
Por forma a que os extremismos não floresçam, temos de preparar os nossos jovens e também os adultos para viverem numa sociedade plural, multicultural e complexa, submetida a profundas, inevitáveis e rápidas mudanças.
A educação para a tolerância é uma tarefa que parte do facto de que a nossa vida, tanto individual como coletiva, está eivada por conflitos, exposta a diferenças e condicionada por diferentes e legítimos modos de pensar e orientar a nossa vida.
Isto exige enfrentar os conflitos a partir de uma opção clara pelo diálogo e o respeito pela dignidade do outro. Convém deixar que os conflitos aflorem, não os suprimindo, mas assumindo-os como ponto de partida no processo educativo.
O recurso à agressividade ou à violência e a rejeição de opiniões diferentes impossibilita o exercício do diálogo como categoria privilegiada para a resolução de conflitos, inibe a tomada de atitudes tolerantes face às diferenças e torna conflituante a convivência entre indivíduos numa sociedade plural.
O novo perfil do aluno (de base humanista) à saída da escolaridade obrigatória espelha bem a importância dos valores e das atitudes que se aprendem a partir da sua prática, por isso é muito importante um ambiente de diálogo e liberdade na família, na sociedade ou na escola, para que conhecimento e competências se forjem por adjeção e não de forma dicotómica, tal como escrevem na sua recente obra os professores João Costa e João Couvaneiro.
O XXII Governo Constitucional terá que aprofundar a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania atualmente em curso e, tal como decorre das suas linhas programáticas, deverá promover a valorização das funções de soberania e a qualidade da Democracia, porque os resultados eleitorais assim o exigem, quer por força dos elevados níveis de abstenção, que atingiram os 45,5% nestas eleições, quer por força da expressão eleitoral da face da intolerância humana que terá agora assento parlamentar!
Cabe a todos nós, democratas e humanistas, encontrar o antídoto para que esta pequena onda populista e extremista não cresça e que novos líderes a emergir noutros quadrantes não sejam tentados a enveredar pela exploração populista da descrença de algum eleitorado.
Franklin Roosevelt, na sua mensagem por ocasião da Semana Americana da Educação, em 1938, afirmou que “a efetiva salvaguarda da Democracia reside na Educação”. Permanece mais atual do que nunca esta visão.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico