“És um designer? Queres ser um designer?” Há um novo Sangue Novo na ModaLisboa

Seis jovens acabam de ser seleccionados para continuar no concurso que quer contribuir para o futuro do sector. Falaram de género, de reciclar, vestiram nostalgia do século XX, tiveram mentores que lhes fizeram encomendas – e muitas perguntas.

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Louis Appelmans ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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Filipe Cerejo ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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Francisco Pereira ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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Flávia Brito ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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Feliciano ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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André Santos ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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Beatriz Julião ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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André Santos ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA
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Filipe Cerejo ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA

Os militares dão as boas vindas ao público da moda, mesmo ao lado de onde, na manhã de sábado, será a Feira da Ladra. Quando a ModaLisboa se aventura à descoberta da capital, mistura e volta a dar caras, estilos e códigos. A 53.ª ModaLisboa estreou-se num novo cenário no final da tarde desta sexta-feira: as Antigas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento do Exército. E até na passerelle as fardas aprumadas se puseram em sentido fashion ao lado de todos os que vieram ver “o futuro”  o concurso Sangue Novo, desfile colectivo de jovens designers que sugerem causas geracionais. Não acreditam numa só versão de homens e mulheres, querem reciclar e vivem uma nostalgia pelo século XX. Mas o mais precioso, diz ao PÚBLICO o presidente do júri Miguel Flor, é a sua identidade. “Quanto mais individuais forem, mais significam.”

A 53.ª ModaLisboa estreou-se no Campo de Santa Clara com o mostruário de propostas de finalistas de cursos de Design de Moda que é o Sangue Novo. Uma das finalistas, Inês Manuel Baptista, começou em Catarse e deu o mote para os dez desfiles com uma colecção em negro que pegou em cabedais e o seu peso e fez o upcycling (a sua transformação criativa, um reaproveitamento do design) misturando-os com nervuras, torções nas costas e outros materiais leves. No fundo, fez do quadrado de um blusão de pele tipicamente masculino um rectângulo feminino fluido. Outros designers continuaram essa ideia da reutilização de materiais, como a muito poluente ganga (Beatriz Julião) ou a nostalgia dos tecidos e peças de outros tempos (Feliciano); no final, Louis Appelmans e Flávia Brito provaram que a singularidade é o caminho, de formas radicalmente diferentes.

Um panamá em xadrez que se torna rosto ou uma capa amarela-choque: na colecção masculina Ace of Spades do belga Louis Appelmans, o que parece styling é criação e a sobreposição de peças ou padrões “normais”, num absurdo desconcertante, daqueles para sorrir. Já Flávia Brito, do Brasil, revelou as suas Hidden Structures, escolhendo uma paleta de tons carne e terra para dar corpo à ideia batida de que a moda se inspira na arquitectura ou na geometria. Uma sucessão de modelos carrega estruturas em metal negro dentro e fora da roupa suave, segundas peles ou até acessórios, que o júri decidiu premiar. É ela uma das seis finalistas, grupo sobre o qual a decisão foi “bastante unânime”, refere Miguel Flor em conversa com o PÚBLICO no final do desfile colectivo. Appelmans, Brito e Baptista foram escolhidos juntamente com Cêlá, Filipe Cerejo e Francisco Pereira.

Uma semente de mil euros

Do Sangue Novo saíram nomes que viriam a definir as primeiras gerações de designers da embrionária indústria de moda portuguesa desde os anos 1990  Maria Gambina, Osvaldo Martins, Lara Torres, Sara Lamúrias ou Priscila Alexandre são alguns deles. Miguel Flor foi o vencedor da 3.ª edição do concurso (1996) e, depois de coordenar a plataforma Bloom no Portugal Fashion, preside agora ao júri do Sangue Novo, cujo formato é hoje mais um processo de mentoria.

Em vez de haver uma única apresentação e respectivo prémio, o concurso estende-se por quase um ano, desde a recepção de candidaturas — que começou em Maio e se prolongou até aos primeiros dias Julho — até Março de 2020, quando cada um dos seis finalistas apresentará uma colecção, para a qual já contará com um valor monetário (mil euros) para financiar a criação. Porém, pelo meio há muito trabalho oculto: desde a análise dos vários portefólios até às reuniões individuais, presenciais ou via Skype para quem se encontra fora do país, durante as quais se trabalham conceitos, mas também o sentido mais prático da moda, sendo realçada a criatividade mas também a funcionalidade.

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Beatriz Julião ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA

Há traços em comum entre os dez designers que subiram à passerelle de 60 metros pintada de amarelo: muitos repensaram o género e propuseram sobretudo novas formas de masculinidade, ou de neutralidade; outros reciclaram; outros tantos reviveram Ibiza dos anos 1980 (Francisco Pereira) ou os anos 1990 dos Beastie Boys com a eterna Sabotage (Filipe Cerejo). “A questão de género é mais que óbvia, mas sempre o foi na moda. Vejo aqui o género como identidade e uma das premissas que estes designers devem trazer é a individualidade”, comenta Miguel Flor. Identifica neles “uma constante procura do que foi o passado”, uma questão de memória, e “uma moda da sustentabilidade” que ainda tem de ser mais aprofundada.

É que o Sangue Novo convida a pinceladas gerais sobre o que une os seus concorrentes, finalistas de cursos de design, e os novos traços de mentoria cruzam-se com isso. “Mais do que encaminhá-los, é pôr-lhes um espelho à frente”, comenta Miguel Flor. “Quem queres ser, o que queres ser? És um designer? Queres ser um designer?”, mimetiza. “Que papel vai ter na moda, na roupa em si mas na forma como a moda é vista socialmente?” O júri é também um “medidor de paixão, escolhemos os que estão mais apaixonados pelo que fazem”, resume sobre o que vai além do gosto, da opinião estética ou de trabalho.

"Quase uma encomenda"

Começaram por ser 82 candidaturas, das quais 23 internacionais, para serem escolhidos dez portefólios para serem analisados por um júri que assumiu, desde o primeiro instante, mais do que o papel de juiz, a função de mentor. Assim, as dez colecções apresentadas nesta sexta-feira não são exactamente o que cada um dos futuros designers construiu de raiz, tendo já incorporadas várias (ou muitas) das dicas que três dos cinco jurados – Miguel Flor, Lidija Kolovrat e Veronique Branquinho, aos quais se juntaram para a avaliação final o director da revista Fucking Young!, Adriano Baptista, e o director da escola italiana Polimoda, Danilo Venturi – foram juntando a cada percurso individual; não tanto como uma imposição, mas como possíveis caminhos a seguir.

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Feliciano ANTÓNIO PEDRO SANTOS/lUSA

Nas reuniões que precederam os desfiles foram desbravados conceitos, linhas-guia da colecção, cortes e opções de estilo, mas também discutidos os materiais que servem de base a peças tão diferentes quanto os seus criadores. Isto numa fase, em que, como sublinhava um dos jurados durante uma das reuniões prévias, ainda não existe a pressão de vender a colecção a posteriori, permitindo que cada um possa trabalhar “sem regras nem obrigações”, criando instantâneos capazes de fazer com que quem os observa sinta as tão raras borboletas no estômago. Ainda assim, acrescenta Miguel Flor no final desta etapa do Sangue Novo, os conselhos dados “são quase uma encomenda” de uma colecção  que ajuda a escolher materiais, que exige qualidade, que ensina a optimizar recursos.

Entre os dez finalistas estavam cinco designers que estudam em instituições nacionais (André Santos, Beatriz Julião e Feliciano, na Modatex Lisboa; Francisco Pereira, na ESART; e Inês Manuel Baptista, da FAUL); uma vinda da Holanda (Cêlá, da ArtEZ University of the Arts); uma da Roménia (Ferencz Borbala da University of Art and Design Cluj-Napoca); um do Reino Unido (Filipe Cerejo da Middlesex University London); uma do Brasil (Flávia Brito, Universidade Veiga de Almeida) e um da Bélgica (Louis Appelmans, da La Chambre). Cada qual com uma história para contar.

Agora que já são conhecidos os seis finalistas — pelo caminho ficaram André Santos, Beatriz Julião, Feliciano e Ferencz Borbala  dar-se-á início à realização de uma segunda colecção em que cada um terá de, a partir de uma nova história, construir peças que a contem, revelando evolução, mas também coerência. Ao longo do caminho, cada um dos jovens designers conta com o apoio dos jurados-mentores, sobretudo em momentos-chave em que voltarão a ter reuniões individuais.

A marca Cêlá recebeu o único prémio possível nesta fase intermédia do concurso, que é a possibilidade de a colecção escolhida ter um ponto de venda, na loja The Feeting Room de Lisboa ou Porto. Na grande final, serão atribuídos os prémios ModaLisboa Polimoda (um mestrado em design de moda ou design de colecções e 3500 euros), o ModaLisboa Tintex (dois mil euros e uma residência na empresa têxtil) e o prémio FashionClash (um desfile no Festival de Moda de Maastricht).

A 53.ª ModaLisboa começou na quinta-feira, com as Fast Talks,  e continua até domingo nas oficinas do exército, a olhar para a próxima Primavera.

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