Eleições: primeiras impressões

O resultado atingido é claro: o PSD está em condições de ser líder indisputado de uma oposição construtiva, com sentido de Estado e capaz de confrontar o Governo PS com uma alternativa.

1. Hoje devia escrever sobre Freitas do Amaral. Devia porque lhe devo isso – especialmente pelo convívio mais próximo nos anos da transição do século XX para o XXI. E muito mais importante, devia porque Portugal – o Portugal que ele tanto amava – lhe deve isso. Fica aqui a promessa de que o farei na primeira oportunidade.

2. O escasso tempo decorrido e a incerteza quanto às dinâmicas políticas resultantes das eleições fazem com que qualquer análise que se queira séria não possa sair do domínio das primeiras impressões; primeiras impressões que podem ser confirmadas, infirmadas ou corrigidas pelo livre devir dos acontecimentos e das práticas políticas.

3. No plano dos factos crus, sem leituras, análises e interpretações complexas e profundas, há, na lista das três primeiras forças políticas, uma vitória do PS, uma derrota do PSD e um empate do Bloco de Esquerda. A que segue uma derrota do PCP, uma séria derrota do CDS, uma expressiva vitória do PAN e uma conquista assinalável dos três novos partidos parlamentares. Esta é a leitura objectiva, imediata, da qual, julgo, ninguém pode seriamente discordar. Importa, no tal plano das primeiras impressões, captar e apreender algumas das consequências e implicações para o nosso sistema de governo, para o nosso sistema partidário e para a correlação de forças partidárias.

4. A primeira implicação, ao nível do sistema político-institucional, é uma continuação da prevalência do Parlamento e do Presidente em detrimento do Governo. A nossa democracia foi sempre muito “governamentalizada” e muito centrada na figura do primeiro-ministro, a ponto de se falar em “presidencialismo” do PM (o que, de resto, evidencia alguma “sobrevida” de traços da prática da Constituição de 33). Quando há maiorias absolutas ou coligações formais estáveis, o Governo comanda o processo político e o PM surge como figura dominante ou predominante. Como não há maioria absoluta – o que configura uma derrota ou uma meia-derrota de Costa –, o Parlamento continuará a ser o órgão vital do drama político. Só não seria assim, se houvesse espaço para uma coligação formal, fosse entre o PS e o Bloco, entre o PS e o PCP ou entre o PS e ambos. Mas ontem essa possibilidade foi expressamente excluída por todos, pelo que o eixo da dinâmica política vai continuar a ser a Assembleia. Um tanto paradoxalmente, e por força da inexistência da maioria homogénea, a mais poder do Parlamento corresponde mais poder do Presidente. Efectivamente, o poder de arbitragem e de influência do Presidente aumenta, quando não há maioria estável e fixa no parlamento. Esse poder presidencial crescerá ainda, se entretanto ocorrer a reeleição para um segundo mandato, em que os presidentes têm sempre as “mãos” mais livres.

5. Esta prevalência da Assembleia será muito exponenciada pela entrada dos deputados dos três novos estreantes, já que todos eles parecem ser “personalidades” talhadas para a projecção mediática. Estes 3 novos deputados assumirão provavelmente uma atitude tribunícia, que vai aumentar a visibilidade do parlamento e que pode dar-lhes rendimentos em futuras eleições. Este mesmo efeito, mas agora mais pelo peso da formação de um grupo parlamentar articulado, far-se-á sentir com o PAN. Não está apenas em causa uma mudança institucional, mas também uma relevante alteração do sistema partidário (cuja consistência só se poderá medir com o andar dos anos).

6. Olhando para os resultados do PS e de António Costa, parece haver alguns padrões de semelhança e de diferença com 2015. Em 2015, depois de quatro anos de resgate da troika, era natural e expectável uma vitória do PS, que não ocorreu. Em 2019, tendo em vista a narrativa do PS sobre a excelência da sua governação, era expectável a obtenção de maioria absoluta. Por duas vezes, Costa falhou aquele que seria o desígnio inicial do PS, do “seu” PS. Neste sentido, o PS e Costa ficaram sempre aquém das suas metas e, por isso, há também um dissabor nos resultados de 2019. Se é verdade que em 2015, com a solução da geringonça, ultrapassou esse fracasso; agora, em 2019, não sendo as coisas claras, tudo pode – tal como tantos já sublinharam – ser bem mais difícil. E, por isso, a uma derrota transformada em vitória pode seguir-se uma vitória degenerada em derrota ou em “impasse”.

7. No que ao PSD diz respeito, importa lembrar que continua a ser de longe o maior partido da oposição (mais de três vezes superior ao terceiro e com um grupo parlamentar quatro vezes maior). Efectivamente, olhando para o hemiciclo, só há uma força alternativa ao PS e essa é o PSD. Em rigor, se pensarmos na rede de cumplicidades entre o PS e o PCP e o Bloco, só o PSD é oposição. A manter-se um diálogo preferencial ou mesmo acordos (ainda que intermitentes) de incidência parlamentar, ninguém pode considerar que o Bloco, o PCP ou até o PAN fazem parte da oposição. Eles serão partidos no arco magnético da governação, no arco magnético do PS. Atentando na correlação de forças, considerando o recuo do CDS, só o PSD pode ser o bastião da oposição e o pilar da alternativa. Muitos comentadores acentuaram que o PSD resistiu, que, apesar de tudo, mostrou resiliência. Mas há algo mais do que isso: no actual xadrez parlamentar: só o PSD tem massa e energia crítica para estruturar uma oposição e para confrontar o PS e os seus satélites com uma alternativa.

8. Por isso mesmo, por estar nessa posição – nessa oposição –, o PSD deve ser um federador e catalisador de outros partidos e movimentos do espaço do centro-direita, em especial, o CDS e a Iniciativa Liberal. E mesmo a Aliança, a que, aliás, poderia ser dado um sinal de abertura, ponderando um eventual regresso ao PSD daqueles membros que quisessem de novo nele militar. O resultado atingido é claro: o PSD está em condições de ser líder indisputado de uma oposição construtiva, com sentido de Estado e capaz de confrontar permanentemente o Governo PS com uma alternativa.

Sim: Diogo Freitas do Amaral. Fundador da democracia, europeísta convicto, grande académico e pedagogo. Racional e moderado, patriota e cosmopolita, simbolizava como nenhum outro o “sentido de Estado” de que tantos se ufanam. 

Não: António Costa. No discurso de vitória, a dada altura, quis colar o Chega aos restantes partidos de centro-direita. Por todas as razões, tem a obrigação democrática, política e cívica de não o fazer.  

Sugerir correcção
Comentar