Autoridades iraquianas baleiam manifestantes e protestos alastram pelo país

Um pequeno protesto contra a corrupção, desemprego e falta de serviços público está a transformar-se num movimento de massas nacional. Já morreram cinco pessoas e mais de 300 ficaram feridas em apenas dois dias.

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São os maiores protestos desde que o primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdul Mahdi, tomou posse há um ano Reuters/Khalid Al Mousily

As forças de segurança iraquianas voltaram a usar munições reais para reprimir manifestantes que saíram à rua para protestar contra a corrupção, desemprego e falta de serviços básicos em Bagdad. Um movimento inicialmente desorganizado e com pouca participação está a transformar-se num protesto de massas e a espalhar-se por todo o país. Já morreram cinco pessoas e mais de 300 ficaram feridas em dois dias. 

O Governo enviou tropas fortemente armadas e com máscaras para a Praça Tahrir, no centro da capital iraquiana, esperando um novo dia de protestos, e acabou por reprimir os manifestantes que por lá apareceram. Foi o segundo dia de contestação que acabou com as autoridades a dispararem balas reais contra quem exige melhores condições de vida num país devastado por divisões étnico-religiosas e pelo legado da guerra. Já há quem exija, entre os manifestantes, a queda do regime iraquiano.

“Temos ouvido ao longo de toda a tarde [desta quarta-feira] o som de tiros e sirenes”, explicou o correspondente da Al-Jazira Imran Khan em Bagdad. “O Governo parece estar muito preocupado com o espalhar destes protestos. Estão a restringir as transmissões em directo dos protestos, bem como as redes sociais como Facebook e Twitter”. Para lá da capital iraquiana, os protestos já se espalharam às cidades de Kut, Hilla, Samawa, Kirkuk, Tikrit, Diyala, Nassíria, Diwaniyah e a Basra.

A situação está a fugir ao controlo do Governo e, esta quarta-feira, a unidade antiterrorista de elite iraquiana teve de entrar em acção em Nassíria quando a polícia “perdeu o controlo” na repressão dos protestos, com os manifestantes terem ripostado com disparos de armas de fogo. 

A actual vaga de protestos começou na terça-feira com uma manifestação pacífica de pouco mais de mil pessoas na Praça Tahrir em Bagdad. Quando alguns manifestantes tentaram chegar à Zona Verde, uma área sob fortes medidas de segurança onde os edifícios governamentais e dos Estados Unidos se encontram, a polícia disparou gás lacrimogéneo e, depois, disparos de armas de fogo, causando a morte a uma pessoa e ferimentos em outras 286.

“Alguns tentaram abrir caminho pela ponte para o que é formalmente conhecido como Zona Verde e então foram obrigados a recuar pela polícia”, disse o correspondente da Al-Jazira Imran Khan, a partir de Bagdad. “Fomos apanhados de surpresa pela resposta dura das forças de segurança a um protesto pacífico”, disse Haider, um dos manifestantes, citado pelo jornalista Patrick Cockburn numa análise no jornal britânico Independent.

Os manifestantes saíram à rua para protestar contra os problemas que enfrentam no dia-a-dia num país fracturado por divisões étnico-religiosas, anos de guerra e por um Estado frágil. Gritaram palavras de ordem contra o Governo e a corrupção e prestaram homenagem ao responsável pela derrota do Estado Islâmico, o tenente-general Abdulwahab al-Saadi, recentemente afastado pelo Governo.

“Queremos que este Governo mude. Este é um Governo dos partidos políticos e das milícias”, disse Fadhel Saber, desempregado de 21 anos, à Associated Press. “Queremos trabalho e melhores serviços públicos. Temos vindo a exigi-lo ao longo dos anos e o Governo nunca nos deu resposta”, disse Abadallah Walid, manifestante de 27 anos, à AFP.

O desemprego jovem no Iraque ronda os 25%, enquanto o geral está nos 8%, segundo o Banco Mundial. As interrupções no fornecimento de electricidade são recorrentes e há partes do país sem água potável.

A manifestação desta terça-feira foi a maior desde que o primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdul Mahdi, tomou posse há um ano. Em resposta à violência das forças de segurança, Mahdi responsabilizou “grupos de amotinados” e garantiu trabalhar para satisfazer as exigências dos manifestantes.

“Os ferimentos entre os manifestantes, os nossos filhos e as forças de segurança, bem como a destruição e pilhagem de propriedades privadas e públicas, entristecem-me e partem-me o coração”, disse na terça-feira Mahdi no Facebook. Mas, no dia a seguir, as forças de segurança voltaram a reprimir duramente os protestos.

O Governo de Mahdi é visto como frágil e incapaz de melhorar as condições de vida da generalidade dos iraquianos. Porém, o executivo conseguiu sobreviver ao Verão, quando as recorrentes falhas de energia, e consequentes quebras nos sistemas de ar condicionado e de abastecimento de água, costumam gerar revoltas populares, como foi o caso de Basra, no ano passado.

A repressão na terça-feira aumentou a raiva dos manifestantes, cuja maioria são jovens licenciados sem emprego, e barricadas e pneus a arder foram o cenário na noite de terça para quarta-feira nas ruas da capital iraquiana. E as autoridades viram-se sem acesso a pelo menos dez distritos de Bagdad.

Horas antes, os protestos, que carecem de liderança organizada, eram pouco participados, mas acabaram por se espalhar pela cidade e, mais tarde, pelo resto do país. “Se o Governo iraquiano delineou no início desta semana um plano para transformar manifestações contra a manifestação e desemprego pouco participadas num movimento de massa, então foi bem-sucedido”, escreveu Cockburn.

O Iraque tem sido palco de sucessivos conflitos armados. Invadidos pelos Estados Unidos em 2003, os iraquianos assistiram ao combate entre insurgentes e tropas norte-americanas e, entre 2005-2007, a uma brutal guerra civil entre xiitas e sunitas que tomou as ruas do país. A frágil estabilidade estava a ganhar raízes quando, em 2014, surgiu o Estado Islâmico e mais três anos de guerras foram necessários até que as forças iraquianas, apoiadas pelos Estados Unidos, o conseguissem derrotar, em 2017, em solo iraquiano.

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