O desporto em tempo de eleições
O desporto é, como prática cultural, uma componente essencial das sociedades modernas e é, ele próprio, um fator de modernização que se reflete na vida dos indivíduos e das comunidades.
O que explica que se encontre consagrado em diversas constituições e documentos de referência internacionais, como um direito indispensável na educação para a cidadania e um fator crítico de desenvolvimento sustentável com o impacto positivo tanto na economia como no plano dos valores, da saúde, da identidade nacional, da promoção da paz, ou na integração de minorias étnicas, migrantes ou comunidades desfavorecidas em países de acolhimento.
Tudo isto é conhecido e não constitui qualquer novidade. Mas não custa lembrá-lo para se perceber porque devem as políticas públicas desportivas, assumir um lugar central em qualquer modelo de projeto social. E porque são necessárias políticas que potenciem a sua reconhecida capacidade de criação de valor em diversas dimensões de desenvolvimento social.
A competência da União Europeia (UE) para o desporto, ainda que complementar e de suporte à competência primária que nesta área reside nos Estados nacionais, tem permitido, através de diversos estudos levados a cabo pela Comissão Europeia, perceber a política desportiva europeia e ter acesso ao conhecimento de vários indicadores do modelo de desenvolvimento desportivo do país e do seu posicionamento no quadro continental.
Em dois desses estudos, sobre o financiamento ao desporto e sobre o contributo do desporto para o crescimento económico e o emprego na UE, destacam-se claras tendências de fragilidade na sustentabilidade do modelo desportivo nacional.
Por um lado, Portugal encontra-se no grupo de países em que o financiamento privado ao desporto (através do tecido empresarial e do consumo das famílias) apresenta valores per capita mais baixos, concentrando-se predominantemente no financiamento público proveniente das autarquias locais e do Estado (Orçamento Geral do Estado e jogos sociais).
Por outro, numa leitura que não pode ser desligada da tendência anterior, Portugal encontra-se claramente abaixo da média europeia no que respeita ao valor acrescentado bruto relacionado com o desporto, bem como ao emprego relacionado com o desporto.
Ou seja, Portugal não consegue internalizar o importante contributo do desporto para a criação de rendimento, ainda que, em diversos segmentos, nomeadamente o turismo, disponha de enormes vantagens comparativas para rentabilizar esse potencial.
A isto acresce o facto do desporto em Portugal estar longe de ter o “justo retorno” proveniente dos chamados jogos sociais, ou do mercado de apostas desportivas, cujas percentagens de distribuição da receita anualmente estabelecidas por lei são claramente inferiores a vários países europeus, sendo que se trata de uma receita que tem por base a exploração comercial das competições desportivas reguladas, organizadas e desenvolvidas em exclusivo pelas organizações desportivas.
Prolongar o atual cenário, expondo as organizações desportivas ao risco iminente que esta trajetória representa para a sua sustentabilidade, tenderá a marginalizar cada vez mais uma atividade central nas dinâmicas de desenvolvimento social e amputa o processo de desenvolvimento humano de uma dimensão insubstituível, com profundas consequências económicas, sociais, educacionais e de saúde pública.
Como pretendem os diferentes partidos políticos responder a estes desafios?
Não sabemos. Se os programas e as palavras neles contidos ainda têm alguma importância então o que temos à disposição não permite conhecer que respostas se pretendem. Os programas são, no essencial, listagens de propósitos em que escasseia um visão global do país desportivo que pretendemos alcançar.
Não porque tudo o que se proponha seja despiciendo. Ou que não tenha importância. Mas pela ausência de uma perspetiva integrada o que, no quadro de uma histórica subalternidade do desporto no espaço das políticas públicas, não ajuda e penaliza imenso a situação.
Dois exemplos: o propósito do PS em afirmar Portugal internacionalmente e colocar o país, na próxima década, no grupo dos 15 países europeus com cidadãos fisicamente mais ativos; o propósito do PCP em revogar o regime jurídico das federações e o atual quadro de administração pública desportiva, com a criação de um serviço central de administração direta do Estado.
Um e outro são tópicos interessantes. Ainda que distintos, desafiam lógicas públicas que seria útil discutir e aprofundar. E entender o modo de as contextualizar. Receamos que, como muitas outras das medidas propostas, essa discussão não ocorra assim penalizando desporto e o seu desenvolvimento. É pena.
A competitividade desportiva nacional carece de um pensamento estratégico e doutrinário dos partidos políticos que aborde os fatores críticos que debilitam a sua sustentabilidade e modelo de desenvolvimento. Algo que, infelizmente, ainda não se vislumbra na leitura das propostas apresentadas.