A “Cabra” e o “Cabrão” estão em risco em Coimbra
Esta medida, como outras que vão surgindo, são apenas sinais da emergência de uma agenda ideológica mais ou menos oculta, mas estratégica, que pretende pura e simplesmente eliminar os animais da alimentação humana.
“Cabra” é o nome dado à icónica torre do século XVIII do edifício da Universidade de Coimbra e ao sino virado para o Mondego, que ecoa pela cidade, com um som que se associa a este animal e que marca a identidade da Academia. “Cabrão” é o nome do sino maior, de tom mais grave, que acompanha a “Cabra”. Estes sinos foram assim batizados numa época em que os caprinos pastoreavam um pouco por todo o país, em estreito contacto com as populações, que deles dependiam, que os conheciam de perto e os acarinhavam. Talvez a alcunha tenha ficado por o acharem um animal particular e emblemático.
A decisão prepotente anunciada há uma semana pelo reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, quer submeter a sua Academia a uma dieta restritiva e discriminatória, pela proibição de carne de vaca nas cantinas da universidade. Mas não é apenas a questão nutricional a consequência da decisão. Esta medida, como outras que vão surgindo, são apenas sinais da emergência de uma agenda ideológica mais ou menos oculta, mas estratégica, que pretende pura e simplesmente eliminar os animais da alimentação humana, a pretexto, por exemplo, de uma exagerada emissão de gases com efeito de estufa (que não deve ser ignorada, mas sim melhor e cientificamente entendida). Julgamos que os pequenos ruminantes sejam os próximos visados. Não são também ruminantes? A sua digestão baseia-se exatamente nos mesmos princípios fisiológicos dos bovinos. O sr. reitor esqueceu-se talvez deste facto!
Ou foram, uma vez mais, ignorados porque, no contexto português, o consumo de carne de pequenos ruminantes é muitíssimo reduzido, em redor de 2,5 kg/hab/ano, cerca de 2.1% do total de consumo de carne (INE, 2019). Como sabemos, os pequenos ruminantes estão associados ao pastoreio de terrenos marginais e pobres, pequenas parcelas e matos. Contribuem para a ocupação territorial e a fixação de pessoas fora dos grandes centros urbanos, partilham a gestão agro-florestal que mitiga a propagação de incêndios rurais, e são consideradas espécies muito bem adaptadas ao agravamento das alterações climáticas e escassez de água, sobretudo as raças autóctones (e.g. Akinmoladun et al, 2019). Além disso, existe uma grande potencialidade em criar mercados e circuitos comerciais de proximidade. Tal como nos bovinos, existem há vários anos diversos produtos com denominação de origem protegida (DOP), por exemplo, que cumprem com grande qualidade e variedade este desiderato. O que nos pode levar a refletir acerca da pertinência de divulgar e estimular o consumo deste tipo de carne!
Esta senda de ataque ao consumo de carnes em geral e de ruminantes em particular, além do efeito nefasto que causará no setor (quem paga os prejuízos?), terá também repercussões, ainda não estimadas, de perda de biodiversidade em espécies, raças ou variedades, com consequências gravíssimas e irreparáveis para a Humanidade.
Se, em absurdo, a decisão do sr. reitor da UC fosse propagada em Portugal, na Europa ou no Mundo, quais seriam as consequências? Extinguir os bovinos e, em sequência, os demais ruminantes domésticos? Colocar alguns exemplares em parques zoológicos para deleite dos seus “defensores”? Há aqui um grande erro na interpretação daquilo que é a relação do Homem com os animais domésticos e o esforço que foi feito ao longo de milhares de anos para melhorar e diversificar espécies e raças, adaptando-as às diversas particularidades do planeta e dos múltiplos sistemas produtivos. Sempre melhorando a eficiência, a sustentabilidade e o bem-estar animal. Refinando e incrementando o respeito pelos animais, pois de outra forma nunca cumprirão os seus objetivos, que são essencialmente produtivos.
O anúncio de decisão do sr. reitor aconteceu. Os protestos ecoaram pelos diversos meios de comunicação; e diminuirão gradualmente até cessarem, como é habitual nos dias de hoje. É isso que os defensores destas medidas extremistas esperam e, por isso, não nos poderemos resignar. E porque, como já nos habituámos, as decisões políticas – porque é disso que se trata – não são irrevogáveis, aguardamos a reversão deste disparate, como manda a razão.
Só assim a “Cabra” e o “Cabrão” de Coimbra deixarão de ser ameaçados e voltarão a ter a sua dignidade académica assegurada e a resistir a uma atitude que, já se viu, foi totalmente imponderada.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico