Como se atrevem?
A voz, as queixas, as críticas ou as ameaças de Greta são cruciais para a transformação cultural e política que as alterações climáticas estão a exigir ao mundo.
Ouvir o discurso de Greta Thunberg esta segunda-feira na Cimeira da Acção Climática em Nova Iorque não deu origem a um, mas a vários murros no estômago. Todas as palavras, cada uma das ideias, o mais breve dos gestos ou a mais simples das expressões têm na sua pose um efeito que não deixa ninguém indiferente. Nem os negacionistas das alterações climáticas que a elegem como uma criação do radicalismo ambientalista, nem os extremistas verdes, que a escutam como a voz de um profeta, nem o mais moderado dos cidadãos, que se assusta com os problemas e não encontra no mundo nem energia nem vontade para os resolver. A voz, as queixas, as críticas ou as ameaças de Greta são cruciais para a transformação cultural e política que as alterações climáticas estão a exigir ao mundo. O que não quer dizer que o que ela diz ou o modo como o diz possa ser levado muito para lá de um compreensível grito de revolta geracional.
O discurso desta segunda-feira é particularmente rico para podermos discutir os méritos e os limites da luta de Thunberg contra a forma como o mundo responde à crise climática. A sua pose e a sua insolência não ficam muito longe do estilo de qualquer aprendiz de Lenine do século passado. “Os jovens estão a começar a perceber a vossa traição”, diz ela. “Não vos deixaremos ficar impunes”, promete. “A mudança está a chegar, quer vocês queiram ou não”, adverte. Há neste tom um radicalismo jacobino que incomoda liberais, reformistas ou, enfim, todos os que não acreditam nos méritos da revolução. O mundo necessita de um choque de indignação geracional com a contundência que Greta Thunberg lhe aplica. Mas a linguagem da ruptura funciona melhor como alerta do que como solução para os problemas complexos da humanidade.
Como António Guterres admitiu, “a minha geração tem fracassado até agora em preservar a justiça no mundo e em preservar o planeta”. Ou, como bem assinalou o Presidente da República na mesma cimeira, “muito tempo já foi perdido”, pelo que, a “complacência e indiferença não são mais toleráveis”. Admitido o fracasso, falta ainda definir o que fazer para que não se repita. Greta Thunberg e os jovens que a adulam fazem o que lhes compete: exigem o futuro e querem-no já. Mas, como uma mudança dessas implicaria rasgar o Acordo de Paris e uma alteração drástica na forma como vivemos, que nos faria aproximar do primitivismo, o melhor é acreditar que as palavras de Greta terão no futuro próximo o papel de alguns radicalismos do passado. É no confronto entre extremos que por vezes nascem as soluções mais equilibradas.