“Precisamos de mais Nações Unidas, não menos”, defende Marcelo na ONU
O Presidente da República apela a que “não se repitam alguns erros da Liga das Nações”, lembrando que, nos primórdios das Nações Unidas, os EUA e a URSS desvalorizaram o papel da instituição e o mundo acabou em guerra. Uma mensagem clara para Donald Trump.
Marcelo Rebelo de Sousa levou à Assembleia Geral das Nações Unidas uma lição da história que se pode resumir assim: a falta de empenho das grandes potências e o crescimento de “mais e mais lideranças hipernacionalistas, isolacionistas e unilateralistas” que se verificou na Liga das Nações (antepassado da ONU) há 100 anos proporcionou as condições para a II Guerra Mundial.
“Era o fracasso de uma tentativa de abertura para o multilateralismo. E, há precisamente oitenta anos, começava a II Guerra Mundial. O que parecera ser uma promessa, mesmo que precária, em 1919, convertera-se numa hecatombe, em 1939. Importa parar e pensar uns momentos, ressalvadas as diferenças de tempo e de modo, nas lições desse passado ainda próximo”, afirmou o Presidente da República português, acérrimo defensor do multilateralismo, a par de António Guterres.
Cem anos depois, “neste Outono de 2019”, Marcelo vê “sinais, globais e regionais, de sentido oposto”. Entre os “preocupantes” elencou “a subida de tensões” entre grandes potências, “a corrida à guerra comercial, de divisas, ou económica e financeira, mais ampla”, a corrida aos armamentos, a “ciberpresença” ou o desinvestimento no Direito Internacional e nas organizações internacionais.
Do lado dos sinais “favoráveis, ou promissores”, colocou por exemplo o acordo entre a UE e o Mercosul, a “janela” da desnuclearização da península coreana, a “nova esperança” na Macedónia do Norte e as “perspectivas mais promissoras” em África.
Agora que as Nações Unidas estão prestes a completar 75 anos de vida, Marcelo recorda o que vale a pena: “Lutar por mais Direito Internacional”, “lutar por organizações internacionais que ajudem a resolver problemas que são de todos ou de muitos, e não apenas de um ou alguns”, “lutar por um papel político e não só técnico dessas organizações”, lutar por uma visão multilateral de todos, incluindo os considerados mais poderosos, porque ninguém é uma ilha e ninguém consegue, só ou com um punhado de aliados, fazer face a problemas cada vez mais complexos”.
“Vale a pena tudo fazer para que a História seja aprendida e que se não confunda o poder, a liderança, a conjuntura de cada momento com a eternidade. Porque o mundo e a vida mudam muito, já assistimos a tanta mudança geoestratégica em menos de quarenta anos, e vamos, nós e os nossos descendentes, assistir a ainda muitíssimas mais e mais aceleradas nos próximos quarenta anos: o mais prudente é apoiarmos esta Casa que vai fazer 75 anos, reforçarmos a sua sustentabilidade financeira, a sua capacidade interventiva e as suas acções de encontro, diálogo, prevenção de conflitos e conjugação de iniciativas em domínios de interesse comum”, defendeu o Presidente português.
Uma resposta clara a Donald Trump, que horas antes afirmara, também perante as Nações Unidas, que o futuro pertence aos “patriotas” e não aos “globalistas”. Não é a primeira vez que o Presidente português faz um discurso de sinal contrário ao do norte-americano: já no ano passado, a sua mensagem foi o avesso da de Trump.
E para que todos percebessem, sem se perder nas traduções, concluiu o seu discurso dizendo em inglês: “Só os que não sabem História e por isso não se importam de repetir os erros do passado é que minimizam ou desvalorizam o papel das Nações Unidas. Nós precisamos mais, e não menos, das Nações Unidas. Não nos deixem repetir alguns erros da Liga das Nações”.