O paradoxo da luta ambiental
Salvar o planeta, implica repensar o mundo, reparando a democracia e regressando à política a sério.
Participava num debate, a semana passada, sobre a crise ambiental quando retive uma imagem transmitida por Viriato Soromenho-Marques, que reflecte o estranho mundo dos nossos dias. Dizia ele, com ironia, que cada vez vislumbra menos diferenças entre o presente, governados por uma elite multimilionária e a sua rede de interesses, com a política subordinada à economia, num cenário de assimetrias, e o passado monárquico quando prevaleciam reis e rainhas e seus súbditos.
Hoje vivemos em democracia. Mas reprimida. Refém do economicismo e das políticas que o servem. Da contra-informação. Do adormecimento de consciências. De uma visão compartimentada do mundo, onde se fala de alterações climáticas, sempre a partir de estilos de vida e comportamentos individualizados, resultado de quatro décadas de neoliberalismo, onde fomos treinados a pensar apenas segundo consumidores. É simples falar dos nossos consumos pessoais. Mas continua a ser difícil entrever que está tudo ligado, não só as mudanças particulares das sistémicas, como as diferentes crises – ambientais, identitárias, de modelo económico ou de representação democrática.
Se as crises se ligam, as soluções também. Mas não é isso que se vislumbra. E a forma como se tem vindo a falar do ambiente prova-o. Existem discursos bem-intencionados. Maior consciência sobre o que enfrentamos. Mas a questão central é como promover uma economia sustentável, que terá de passar por um decréscimo do consumo e por uma diminuição das assimetrias entre países, regiões e pessoas. Qualquer coisa onde o uso racional de bens seja evidente, bem como a reutilização e reciclagem dos produtos e serviços e uma distribuição mais igualitária da riqueza. É essencial uma alteração dos actuais modelos de acumulação, desgaste e desperdício dos bens disponíveis.
Se queremos salvar o planeta, temos de mudar de arquétipo económico, promovendo o primado da política, do colectivo, do bem comum, sobre a ideologia do mercado livre, do extrair, do competir e do comprar ilimitadamente. Isto não vai lá comendo menos carne de vaca. É de uma mudança a sério de que se fala. E nitidamente não estamos nem aí. Quem já percebeu o filme todo foi a direita neoliberal que não pára de estrebuchar. Um dia com movimentos feministas ou anti-racistas. No outro com ambientalistas ou animalistas. É verdade, em alguns casos, aproveitando alguma inabilidade da esquerda mais progressista, e também a falta de soluções alternativas claras. Mas o ponto não é esse.
O ponto é que, desde 2008, sectores dessa direita perceberam que a implosão do mercado livre significava o desagregar de décadas de neoliberalismo, e que a actual crise ambiental pode constituir um passo fatal na exposição dessa ferida, daí a desacreditação da ciência ou a crença irracional na tecnologia como reparadora de todos os males, para além da eternização das ideias de crescimento económico infinito.
E aqui chegamos ao maior paradoxo da luta ambiental. Muitos dos seus activistas dizem-se apolíticos, ou mesmo, antipolítica, ao mesmo tempo que afirmam que para a contenda contra as alterações climáticas ser eficaz, não deve ser misturada com o combate às desigualdades, à justiça racial ou à igualdade de género. Dessa forma, afirmam, tentam conquistar os muitos desiludidos com a política e muitos dos que têm aderido aos discursos ecológicos mais ligados aos estilos de vida.
Acontece que a questão ambiental é eminentemente política, no sentido de serem encontradas soluções alternativas para a vida em comunidade. Salvar o planeta, implica repensar o mundo, reparando a democracia e regressando à política a sério. Para a luta ambiental ser efectiva vai ser necessário que os súbditos se rebelem contra a monarquia do capital.