Uma célula de nepotismo no coração do Estado
O ministro Eduardo Cabrita não evitou este filme nem o travou enquanto pôde. Não pode, por isso, querer ficar de fora da sua ficha técnica.
Na catadupa de operações do Ministério Público e da Polícia Judiciária, ou no meio de acusações soezes como a que uma eurodeputada francesa fez a Elisa Ferreira, é muito provável que a história muito mal contada que levou à demissão do secretário de Estado Artur Neves acabe por se diluir. Entre o vaivém das promessas, romarias, gritos e omissões, é quase certo que esse episódio terá muito pouco peso na campanha eleitoral. O assunto, porém, vale uma reflexão. Porque, muito para lá das suspeitas que os negócios por ajuste directo da Protecção Civil suscitam, o que esta história revela, uma vez mais, é a resistência de um certo padrão de compadrio e nepotismo na alta administração do Estado.
É certo que esse padrão determinou a demissão de um chefe de gabinete, de um adjunto e do próprio secretário de Estado. Mas a gravidade desses processos não pode responsabilizar apenas adjuntos ou secretários: o ministro Eduardo Cabrita não pode ficar na sombra do que se passou – haja ou não haja acusações.
E o que se passou começa em Maio, com a demissão de Adelino Mendes, chefe de gabinete de Artur Neves, por suspeita de envolvimento num caso associado à gestão de fundos comunitários. E continua dois meses depois, quando se soube da compra de 70 mil golas antifumo por 165 mil euros à qual o adjunto Francisco Ferreira esteve associado, o que levaria à sua demissão.
Dar um parecer errado sobre um produto pífio comprado em quantidades industriais pode caber nas fraquezas da natureza humana. Até que se descobre o nexo de causalidade do negócio e se sabe que o secretário de Estado, que veio do PS de Arouca, nomeou como “técnico especializado” um alto responsável do PS de Arouca sem história alguma na Protecção Civil, que, por sua vez, recomendou a encomenda das golas ao marido de uma autarca do PS de Guimarães. A existência de uma célula de promiscuidade partidária no coração do Governo da República fica, assim, provada.
O ministro Eduardo Cabrita não pode deixar de ser responsabilizado pelo que aconteceu. Por ter escolhido Artur Neves, por ter permitido o recrutamento dos seus boys, por ter deixado arrastar esta história até que as buscas da Judiciária lhe explodiram no gabinete. Um pouco mais de prudência e exigência deveriam ter levado o experiente e geralmente astuto e cauteloso Eduardo Cabrita a pedir responsabilidades quando as golas se conheceram, em vez de atacar notícias “irresponsáveis e alarmistas” e de chamar (em off) “cobras” aos jornalistas.
Não evitou este filme nem o travou enquanto pôde. Não pode, por isso, querer ficar de fora da sua ficha técnica.