Agente dos serviços secretos faz denúncia “urgente” contra Trump relacionada com a Ucrânia
Queixa foi aceite e validada pelo inspector-geral da comunidade de serviços secretos norte-americana, mas o Departamento de Justiça não quer enviá-la para o Congresso, como é habitual nestes casos.
Um agente dos serviços secretos norte-americanos fez uma “denúncia urgente” contra o Presidente dos EUA sobre uma promessa que Donald Trump terá feito em privado relacionada com a Ucrânia. Os pormenores ainda não são conhecidos, mas a recusa do Departamento de Justiça em enviar a queixa para o Congresso, como é habitual nestes casos, está a agravar ainda mais a tensão entre a Casa Banca e o Partido Democrata, e entre Trump e a comunidade de serviços secretos.
Na quarta-feira, o jornal Washington Post noticiou que a denúncia foi feita na sequência de um telefonema entre Trump e o Presidente de outro país, em que o Presidente norte-americano terá feito uma promessa tão alarmante que o agente reportou o caso ao inspector-geral dos serviços secretos, Michael Atkinson.
Na quinta-feira, o New York Times noticiou que a queixa em causa foi motivada por vários acontecimentos, e não apenas pelo telefonema de Trump.
Duas semanas antes de a denúncia ter chegado ao gabinete do inspector-geral, Trump falou ao telefone com o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski.
E no dia 12 de Setembro, após pedidos insistentes do Congresso norte-americano e do Governo ucraniano, a Casa Branca autorizou finalmente a transferência de 250 milhões de dólares (226 milhões de euros) para ajuda militar à Ucrânia nos combates contra os separatistas pró-russos no Leste do país.
Na quinta-feira, quando o envio dessa verba passou o último bloqueio burocrático, o Presidente ucraniano salientou as boas relações com a Casa Branca.
“Agora podemos dizer que temos muito boas relações com os EUA, porque vamos receber não apenas 250 milhões, mas também um pacote adicional de 140 milhões. Eu gosto de uma relação em que estamos à espera de 250 milhões e temos a oportunidade de receber 390 milhões”, disse Zelenski, que é também um conhecido actor cómico no seu país.
Joe Biden como alvo
O motivo oficial para o adiamento da ajuda militar à Ucrânia era uma discordância entre a Casa Branca e o Governo ucraniano sobre a melhor forma de usar a verba, mas os críticos do Presidente Trump acusam-no de ter, na prática, chantageado o Presidente ucraniano: em troca do desbloqueio da verba, a Ucrânia teria de prejudicar um dos possíveis adversários de Trump nas eleições presidenciais de 2020, Joe Biden.
Os pormenores da denúncia ainda não saíram do gabinete do inspector-geral para o grande público, mas os jornais norte-americanos já avançaram algumas informações importantes.
Sabe-se que a Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, actualmente com maioria do Partido Democrata, está a investigar se o advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani, pressionou responsáveis ucranianos a tomarem decisões sobre algumas suspeitas de corrupção no país.
Em particular, um caso que beneficiaria Paul Manafort, o antigo responsável pela campanha eleitoral de Trump e antigo conselheiro do ex-Presidente ucraniano Viktor Ianukovich, e que foi condenado nos EUA por fraude fiscal e bancária; e um caso que prejudicaria Joe Biden.
Entre Abril de 2014 e Abril de 2019, o filho de Joe Biden, Hunter Biden, fez parte da administração da Burisma Holdings, a maior empresa privada de exploração e produção de gás na Ucrânia. Antes de essa informação ter sido conhecida do grande público, Joe Biden, então vice-presidente dos EUA, esteve na Ucrânia a incentivar o Governo local a reduzir a sua dependência de gás da Rússia – uma situação que deixou Hunter Biden exposto à acusação de conflito de interesses.
Esta sexta-feira, Rudolph Giuliani admitiu que pressionou um responsável ucraniano a investigar o possível envolvimento de Joe Biden no afastamento do procurador que investigou a Burisma Holdings, mas o actual procurador-geral da Ucrânia disse à Bloomberg, em Maio, que não há nenhuma prova contra Joe Biden ou Hunter Biden.
Na quinta-feira, o Presidente norte-americano disse que está a ser vítima de “assédio presidencial” e classificou as notícias sobre a denúncia contra ele como “mais fake news” (notícias falsas).
“Sempre que falo ao telefone com um líder estrangeiro, sei que pode haver muitas pessoas a ouvir a conversa, de várias agências dos serviços secretos norte-americanos e também do outro país”, disse Trump no Twitter.
“Sabendo isto, será que alguém é assim tão estúpido que acredite que eu diria algo inadequado a um líder estrangeiro durante um telefonema com tantos ouvintes? Seja como for, eu só faço o que é o mais correcto, e só faço o bem para os EUA!”, afirmou o Presidente norte-americano.
Tensão no Congresso
Em causa está a denúncia de um agente dos serviços secretos que já trabalhou na Casa Branca, e que seguiu os canais oficiais ao abrigo da lei que protege os whistleblowers – pessoas que denunciam suspeitas de actividades ilegais ou incorrectas nas várias áreas do governo dos EUA.
Segundo a lei, uma “denúncia urgente” feita ao inspector-geral da comunidade de serviços secretos norte-americanos deve ser enviada para as comissões do Congresso que supervisionam agências como a CIA ou a NSA. Mas, neste caso, o director interino da rede de agências, Joseph Maguire (nomeado para o cargo em Agosto pelo Presidente Trump), proibiu o inspector-geral de enviar a denúncia para o Congresso.
Na quarta-feira, o inspector-geral, Michael Atkinson (também nomeado por Trump), disse aos membros da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes que só não vai partilhar com eles os pormenores da denúncia porque o seu superior, Maguire, e os advogados do Departamento de Justiça, consideram que o assunto não diz respeito à comunidade de serviços secretos – porque envolve o Presidente dos EUA, que pode invocar “privilégio executivo” para reter informações confidenciais.
Só que o líder da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, Adam Schiff, diz que a lei é clara e acusa o Departamento de Justiça de estar a encobrir uma possível violação da lei pelo Presidente dos EUA.
“Não há privilégio algum que abranja a hipótese de a Casa Branca estar envolvida numa tentativa para calar a denúncia de um whistleblower”, disse o congressista do Partido Democrata.
O director das agências de serviços secretos, Joseph Maguire, vai ser ouvido na Câmara dos Representantes na próxima quinta-feira, dia 26 de Setembro, mas é provável que mantenha a recusa em desviar-se da sua argumentação: segundo o Departamento de Justiça, a denúncia não tem de ser enviada ao Congresso porque envolve um responsável (o Presidente dos EUA) que tem um poder alargado para desclassificar informação. E, nesses casos, não cabe aos serviços secretos avaliar se as promessas ou as acções de um Presidente são ilegais ou se passaram a ser legais apenas porque foi um Presidente quem as fez.
Se o caso chegar aos tribunais, e se a Casa Branca alegar privilégio executivo para não divulgar a denúncia em causa, o Supremo pode vir a ter de se pronunciar tal como o fez em 1974, quando o então Presidente, Richard Nixon, se recusou a entregar as gravações das suas conversas na Casa Branca.
Foi a decisão do Supremo, de ordenar o Presidente a entregar as gravações, que levou à queda de Nixon duas semanas mais tarde para evitar ser destituído num processo de impeachment do Congresso.