A circum-navegação volta a concentrar atenções em Sevilha

Exposição no Arquivo das Índias junta mais de 100 peças e documentos originais sobre a primeira viagem marítima que ligou o mundo, a de Fernão de Magalhães e de Juan Sebastián Elcano.

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A exposição do Arquivo das Índias, em Sevilha, foi inaugurada a 12 de Setembro pelos reis de Espanha LUSA/Jose Manuel Vidal / POOL

As polémicas em torno da autoria da primeira volta ao mundo que levaram historiadores a esgrimirem argumentos nas páginas dos jornais em grande parte por iniciativa dos diários espanhóis ABC e El Mundo e obrigaram ministros portugueses e espanhóis a dar mostras de total colaboração em conferências de imprensa em Lisboa e Madrid, parece, para já, serenada.  

Imaginada por Fernão de Magalhães, navegador que muitos conhecimentos acumulara a trabalhar para a coroa portuguesa, concluída pela persistência do basco Juan Sebastián Elcano e financiada por um rei espanhol, Carlos I, a primeira circum-navegação do globo tocou dezenas de territórios por onde passou a armada de cinco navios que levantou âncora de Salúncar de Barrameda, província de Cádis, faz hoje precisamente 500 anos e permanece como uma dos mais notáveis viagens náuticas de sempre, um feito científico extraordinário.

Portugal assinala a data com múltiplas iniciativas espalhadas por Portugal continental e os Açores, entre elas um fórum em Lisboa que se debruçará sobre o legado histórico e científico de Magalhães, que contará com a participação dos historiadores Francisco Contente Domingues (Universidade de Lisboa) e Juan Marchena (Universidade Pablo de Olavide, Sevilha), e de Maria João Bebianno (directora do Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve). Para além das actividades dirigidas ao público escolar dos mais variados graus de ensino organizadas por museus e centros de ciência, a Biblioteca Nacional de Portugal vai difundir para download e totalmente gratuito o livro de estudos e catálogo da sua exposição Em demanda da biblioteca de Fernão de Magalhães, que apresentou entre Fevereiro e Junho e que procurou mostrar guias náuticos, tratados geográficos, relatos de viagem e outros livros em que o navegador se poderá ter informado — e inspirado — para preparar a viagem.

Em Espanha, como é natural, também se multiplicam as actividades comemorativas. É, aliás, em Sevilha que está uma das mais interessante propostas dos dois programas ibéricos — El Viaje Más Largo, uma exposição que reúne no Arquivo das Índias 106 peças e documentos originais que documentam a viagem de Magalhães e Elcano.

Recorrendo ao acervo do próprio arquivo e a empréstimos de instituições como as bibliotecas nacionais de França e de Espanha, a Torre do Tombo, em Lisboa, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e o Museu de Arte Oriental de Valladolid, entre outras, esta exposição, segundo os jornais El Mundo e Diario de Sevilla, vai permitir aos visitantes aceder ao contexto da viagem, acompanhar algumas das suas vicissitudes através de cartas e do mais completo relato que dela foi feito, e avaliar o seu impacto, logo a partir da primeira metade do século XVI.

Muito apoiada na imagem em movimento e dividida em seis núcleos — Sonho, Partida, Exploração, Destino, Regresso e Transformação — fará um retrato da Sevilha do tempo em que o navegador português ali chegou para pedir a Carlos I que apostasse numa viagem que parecia irrealizável; pegará em mapas e cartas náuticas para mostrar quão arrojada foi a proposta; dará a conhecer que tempo fazia quando os navios passaram aquele que ficaria conhecido como o Estreito de Magalhães (a mais importante passagem natural e navegável entre os oceanos Atlântico e Pacífico, imediatamente ao sul da América do Sul continental); mostrará os modelos das cinco naus que partiram de Salúncar de Barrameda com pouco mais de 230 homens de várias nacionalidades a bordo, 40 deles portugueses; e abordará o encontro e o confronto dos marinheiros com vários populações e modos de vida, sobretudo os do arquipélago de Maluco, as chamadas ilhas das especiarias, onde o navegador português já estivera ao serviço de Lisboa e perto das quais acaba por morrer.

Entre os documentos originais que agora podem ser vistos em Sevilha  — a sua reunião num mesmo local é caso certamente raro, se não único — destaque para o Tratado de Tordesilhas, para o testamento de Elcano, que escreve durante a arriscada travessia do Pacífico, ainda com Magalhães ao comando, e a carta que dirige a Carlos I no regresso a Espanha, para a missiva que Gonzalo Gómez de Espinosa, capitão de uma das naus da armada, a Trinidad, escreve também ao monarca espanhol pedindo ajuda, restaurada para o efeito pelo Arquivo das Índias, e para o célebre diário de Antonio Pigafetta.

Pigafetta, um cronista italiano que paga a viagem do seu próprio bolso e a acompanha do princípio ao fim — só uma das cinco naus, a Victoria, naturalmente capitaneada por Elcano, e 18 homens da tripulação inicial regressam a Espanha a 6 de Setembro de 1522 — é o autor da principal fonte sobre esta primeira circum-navegação, centrando boa parte do seu relato na figura de Fernão de Magalhães.

Uma das peças mais simbólicas da exposição do Arquivo das Índias é uma imagem da Virgem da Vitória, a mesma a que rezaram os cinco capitães da armada naquele 20 de Setembro de 1519 e a mesma a que Elcano e os outros 17 homens que com ele regressaram deram graças três anos depois.

Esta exposição, que termina em Sevilha a 23 de Fevereiro, segue depois para o Museo San Telmo de San Sebastián (de Junho a Setembro de 2020), instalando-se no País Basco onde Juan Sebastián Elcano nasceu.

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