Trudeau pintou a cara de castanho e é acusado de racismo a menos de um mês de eleições
O primeiro-ministro canadiano já pediu desculpa por ter pintado a cara de castanho para uma festa. O caso fez a sua campanha descarrilar numas eleições bastante renhidas.
A pouco menos de um mês das eleições legislativas, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, está no centro de uma polémica com a divulgação de uma fotografia em que aparece com a cara pintada de castanho e um turbante. Está a ser acusado de racismo e já pediu desculpa.
“Trabalhei toda a minha vida para criar oportunidades para as pessoas e para combater o racismo e a intolerância”, disse o primeiro-ministro numa conferência de imprensa. “Posso dizer cometi um erro quando era mais jovem e desejava não o ter cometido. Devia ter tido mais cuidado, mas não tive e lamento profundamente”.
Na Primavera de 2001, Trudeau, com 29 anos, participou numa festa com o tema “Noites árabes” na escola privada onde era professor, a Academia de West Point Grey. Pintou a cara, o pescoço e as mãos e vestiu um turbante e uma túnica, ficando o momento registado numa fotografia. Foi o único a pintar-se de negro na festa, diz a Time.
A fotografia, que consta do anuário da escola para o ano de 2000-2001, foi revelada na quarta-feira à noite pela revista Time. Mas não foi esta a única vez que Trudeau pintou a cara de castanho - fê-lo também num concurso de talentos na escola secundária, para cantar Banana Boat (Day O), de Harry Belafonte. E, já nesta quinta-feira, a Global News divulgou um vídeo de uma terceira ocasião em que um jovem Trudeau aparece de cara pintada de preto.
“Pintar a cara de castanho é um acto de ridicularização e racista. Os canadianos viram alguém que tem uma completa falta de discernimento e integridade e que não está apto a governar o país”, criticou o líder do Partido Conservador, Andrew Scheer.
Opinião partilhada por Jagmeet Singh, líder do Partido Nova Democracia: “Quando vemos exemplos de alguém a fazer brownface oublackface, vemos alguém que viveu ou passou por essas experiências [racistas] ser gozado”.
Pintar a cara de castanho o negro, o blackface/brownface, era comum em espectáculos do século XIX, principalmente no mundo anglo-saxónico, e contribuiu para a propagação de estereótipos sobre a população negra ou de pele escura.
Falta pouco menos de um mês para as eleições que opõem o primeiro-ministro liberal ao líder do Partido Conservador e tudo indica que serão bastante renhidas. Trudeau está em desvantagem nas sondagens, com 34% das intenções de voto, enquanto Scheer lidera com 35%, segundo o site noticioso POLITICO. O partido Nova Democracia fica em terceiro lugar, com 12%, e os Verdes em quarto (11%).
A campanha eleitoral começa daqui a uma semana e este novo escândalo junta-se a outros que têm fragilizado Trudeau. O de maior impacte diz respeito à pressão exercida por Trudeau sobre a antiga procuradora-geral e ministra da Justiça, Jody Wilson-Raybould, para travar uma investigação por suspeita de corrupção à empresa SNC-Lavalin e chegar a um acordo. A procuradora recusou fazer o acordo e foi demitida por Trudeau, que viu alguns ministros saírem do Governo, entre eles o presidente do Conselho do Tesouro, Jane Philpott.
A fotografia caiu como uma bomba entre as fileiras liberais, diz o Washington Post. Nas últimas semanas, os liberais dedicaram-se a recuperar velhos vídeos e publicações nas redes sociais de conservadores acusando-os de acolherem nas suas fileiras pessoas intolerantes.
“Atirou a campanha para fora dos eixos”, disse Steven Chase, do jornal canadiano Globe and Mail, citado pela Al-Jazira. “Este é um país de imigrantes. Acolhemos 300 mil todos os anos”, continuou o jornalista, sublinhando que o caso “é um desafio à marca” de Trudeau como político multiculturalista. “Vai ter de convencer os eleitores indecisos de que foi apenas um percalço”.
Trudeau chegou à liderança do Governo canadiano em 2015 e desde esse momento que tem fomentado uma imagem de líder multicultural, feminista e que se preocupa com as minorias no país. Sete dos seus 35 membros de Governo pertencem a minorias. Numa viagem à Índia o primeiro-ministro e a sua família vestiram roupas tradicionais indianas e prestaram tributo num templo sikh, tendo sido acusados de se esforçar demais nesta vontade de ter uma imagem inclusiva.
Contudo, também é acusado de hipocrisia. O artista Robert Davidson, membro da tribo Haida, acusou o primeiro-ministro de tatuar no braço um símbolo tribal por si desenhado mas de não se preocupar genuinamente com as populações indígenas. Trudeau aprovou um gasoduto que passa por terras das tribos e que os ambientalistas dizem ir ter um impacto ambiental significativo.