“Os administradores do CCB não são programadores”
O presidente do CCB não atribuiu o pelouro da programação a Miguel Honrado. No dia da apresentação da próxima temporada, Elísio Summavielle revelou que a presidência portuguesa da União Europeia poderá regressar a Belém em 2021.
Numa programação feita de uma forma “colegial” com dezenas de iniciativas, as novidades da próxima temporada do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, incluem as estreias em Portugal da coreógrafa sul-africana Dada Masilo, com uma Giselle dançada por bailarinos negros num cenário marcado pelos desenhos de William Kentridge (Janeiro), ou do grupo de dança catalão La Veronal de Marco Morau, com o espectáculo Pasionaria (Maio), que reflecte sobre a relação dos seres humanos com a tecnologia.
Já o contratenor alemão Andreas Scholl, uma das vozes queridas da música erudita que já actuou em Lisboa e no Porto, estreia-se em Dezembro nesta sala lisboeta com a orquestra barroca Divino Sospiro, sendo a primeira vez que canta com um agrupamento português. Outra novidade na música clássica é a saída do cravo Taskin do Museu Nacional da Música para o recital de Kenneth Weiss em Belém.
Entre os regressos ao CCB, há a oportunidade única de ver dançar Akram Khan (Novembro), num solo assinado pelo próprio coreógrafo do Bangladesh radicado em Inglaterra, numa co-produção entre as principais salas de espectáculos mundiais para comemorar o centenário da Primeira Guerra Mundial e da participação dos soldados coloniais no conflito. Regressam também a encenadora siciliana Emma Dante, num espectáculo de commedia dell’arte que adapta um texto de Giambattista Basile intitulado La Scortecata (Abril), e os Artistas Unidos, numa encenação de Jorge Silva Melo de Vidas Íntimas de Noël Coward, com tradução de Miguel Esteves Cardoso.
Com a entrada de Miguel Honrado para a administração do CCB em Março, ao contrário do que era esperado, o ex-secretário de Estado da Cultura não assumiu o pelouro da programação, como aconteceu com a sua antecessora Luísa Taveira. O presidente do CCB, Elísio Summavielle, reconheceu ao PÚBLICO que Honrado não ficou com a programação - foram-lhe atribuídas as pastas da comunicação e do mecenato cultural -, sendo a programação agora aprovada de uma forma colegial por toda a administração, que inclui ainda Isabel Cordeiro.
Com um orçamento de 2,1 milhões de euros, a programação da temporada de 2019/2020, que inclui para já apenas os seis primeiros meses do próximo ano, conta com a participação dos programadores André Cunha Leal (música erudita), Fernando Luís Sampaio (teatro, dança, Jazz e outras músicas), Madalena Wallenstein (infantil e juvenil), André Tavares (arquitectura) e Maria Pinto Basto (literatura e pensamento).
“Os administradores não são programadores. Nós vamos validando as propostas que nos são apresentadas. Neste mandato entendi por razões diversas, não por demérito da Luísa [Taveira], que o conselho de administração seja colegial na programação. Na história dos 26 anos do CCB, já houve vários conselhos de administração, sendo que estes passam mas as estruturas ficam. O que fizemos foi enquadrar os programadores nos seus espaços e dar-lhes autonomia. Nós os três podemos amanhã não estar, mas há programadores e é para isso que eles trabalham no CCB. Não faz sentido haver uma programação que é imposta”, comentou Summavielle numa conversa com o PÚBLICO depois da apresentação da programação.
Numa apresentação que teve um formato diferente da conferência de imprensa, com a radialista Inês Meneses como mestre de cerimónias a conversar com os cinco programadores e os três membros do conselho de administração, falou-se ainda de Os Dias da Música (Abril) que serão dedicados a Beethoven, no ano em que se comemoram os 250 anos do seu nascimento, numa programação que continuará a acolher as temporadas sinfónicas da Orquestra Sinfónica Portuguesa e da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Foram ainda destacadas as estreias de Popcorn, um espectáculo de dança de Miguel Ramalho e Matias Pillet (Fevereiro), e de Folle Époque, do grupo de teatro Sillyseason (Maio), apostas em criadores mais jovens.
No final da sessão, Elísio Summavielle disse aos jornalistas que espera assinar até ao final do ano o contrato resultado do concurso público internacional para a construção dos módulos 4 e 5, lançado há quase um ano pela administração, que teve como único interessado a Mota-Engil. “Esse é um tema sobre o qual hei-de escrever nas minhas memórias, mas estamos na fase final porque a Mota-Engil já apresentou a proposta detalhada com o programa completo. Se tudo correr bem e assinarmos até ao final do ano, em 2020 virá um chequezinho de 300 mil euros para a sustentabilidade da programação.” O concurso previa a construção de um ou dois hotéis, lojas e escritórios, numa obra orçada entre 60 e 70 milhões de euros, que quando estiver concluída, acrescentou Summavielle, deverá trazer uma renda anual de 900 mil euros para aplicar na programação do CCB. O orçamento do centro cultural para 2019 chega aos 11,4 milhões de euros, dos quais 7,39 milhões têm origem no Orçamento do Estado e o restante em receitas próprias.
Sobre o novo modelo de programação do CCB não ter um membro da administração a assiná-la e que seja responsável por a pensar como um conjunto, o presidente não receia que daí possa resultar uma falta de identidade para a instituição. “A linha está perfeitamente delineada. A ideia de eclectismo, de uma cidade aberta, da qualidade, da inovação. Há muitas propostas, umas mais ambiciosas do que outras, que temos que ir filtrando. Isto é um puzzle que tem que se compor com as disponibilidades dos auditórios e das salas e conjugá-lo com a actividade comercial dos congressos. É perante isso tudo que temos que validar as nossas opções, mas penso que tem havido alguma coerência nesse aspecto. Aquilo que eu defendo é que a estrutura deve ter asas para poder voar. É evidente que o contributo da administração é sempre decisivo e importante, mas a nossa posição é supletiva, não é de intervenção directa.”
Presidência da UE no CCB?
Em 2021, a presidência portuguesa da União Europeia (UE), prevista para o primeiro semestre do ano, poderá vir a instalar-se no CCB, condicionando a programação a apresentar em Belém. “É uma perspectiva que está fortemente em cima da mesa. É o governo que irá decidir, mas é natural [que assim seja], porque em 1992 foi a presidência da UE que justificou a construção do CCB. Se isso acontecer mobilizará completamente o módulo 1.” Summavielle não se vai opor a essa ocupação, mas pensa que poderá haver algumas contas a fazer. “Não vale a pena remar contra a corrente. Se isso acontecer é também um momento para recentrar e reflectir.”
Artigo corrigido a 18 de Setembro: a tradução de Vidas Íntimas de Noël Coward será de Miguel Esteves Cardoso e não de Miguel Lobo Antunes como erradamente escrevemos