Irão nega envolvimento em ataque a petrolífera saudita e acusa EUA de “mentir”
Riade e Washington não perderam tempo a apontar o dedo a Teerão. Receia-se que o preço do barril de petróleo possa aumentar esta segunda-feira.
O Irão recusou ter qualquer responsabilidade pelos ataques de sábado a duas instalações petrolíferas da gigante saudita Aramco, reivindicados pelos rebeldes houthis, e acusou os Estados Unidos de mentirem. É o mais recente episódio numa já longa escalada de tensão entre Teerão e Washington.
“Falhada a política da ‘pressão máxima’, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, vira-se agora para a ‘máxima mentira’. Os EUA e os seus aliados estão presos no Iémen por terem a ilusão de que a superioridade de armamento resulta em vitórias. Culpar o Irão não vai acabar com o desastre”, respondeu no Twitter o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Mohammad Javad Zarif. O ministro referia-se às sanções e outras tácticas usadas por Washington contra o Irão, depois de os EUA terem abandonado o acordo nuclear de 2015 para travar o aumento da influência iraniana na região.
Em causa estão as declarações de Pompeo que atribuíram as responsabilidades por “mais de 100 ataques”, entre os quais este último, a Teerão. “Entre todos os apelos para um desanuviamento, o Irão lançou agora um ataque inédito contra o fornecimento de energia do mundo. Não há provas de o ataque ter vindo do Iémen”, escreveu Pompeo no Twitter.
O primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdel Mahdi, sentiu o toque e negou que o ataques tenham partido do seu país: “O Iraque está constitucionalmente comprometido em impedir qualquer uso do seu solo para atacar os seus vizinhos”.
Nos ataques de sábado foram usados dez drones armadilhados que tiveram como alvo duas instalações petrolíferas sauditas em Abqaiq e Khurais, percorrendo para lá chegar mais de mil quilómetros sem serem detectados. Além de ser o terceiro e mais duro ataque do género contra a produção de petróleo saudita, foi também o mais sério contra uma infra-estrutura do reino em décadas, relegando para segundo plano a barragem de mísseis SCUD disparada pelas forças de Saddam Hussein na Primeira Guerra do Golfo, em 1991, diz o Washington Post.
O movimento xiita houthi, que quer chegar ao poder no Iémen, país em guerra civil desde 2015, está a desenvolver um cada vez maior poder aéreo – já tinham atacado aeroportos e refinarias com drones – e começam a surgir dúvidas sobre a capacidade de defesa anti-aérea de Riade, diz o jornal norte-americano. Pressionado, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, teve de vir a terreiro garantir que a Arábia Saudita se consegue defender – o reino sunita possui o sistema de defesa antiaérea norte-americano Patriot.
A garantia de Bin Salman pode ser posta à prova em breve. Segundo a televisão iemenita Almasirah, os houthi já prometeram ataques “maiores e mais abrangentes” se a coligação liderada pela Arábia Saudita (que participa na guerra civil ao lado das forças leais ao Presidente deposto Abdrabbuh Mansur Hadi, um sunita) continuar a bombardear o Iémen. E, sabendo-o, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem estreitado a aliança estratégica com Riade, reafirmou ao príncipe herdeiro a sua prontidão para sair em sua defesa, de acordo com o Washington Post.
Medo do mercado
As duas instalações atingidas são das mais importantes no sistema de produção saudita e os danos sofridos reduziram a sua capacidade em 50% (diminuição de 5,7 milhões de barris por dia) – o reino é responsável por produzir 10% do petróleo mundial. A instalação em Abqaiq é a maior infra-estrutura de transformação de petróleo do mundo e a de Khurais produz 1,5 milhões de barris de petróleo por dia e alberga mais de 20 mil milhões de barris.
Há receios de que a queda de produção possa dar origem à subida do preço do petróleo nos mercados. Na sexta-feira, o barril estava a ser negociado a pouco mais de 60 dólares mas, esta segunda-feira, o preço pode subir entre cinco a dez dólares, dizem analistas, e a Aramco já frisou conseguir recuperar a produção até lá.
“Isto é muito importante. Receio o pior, estou à espera que o mercado abra com mais cinco a dez dólares por barril”, disse Andrew Lipow, presidente da Lipow Oil Associates, à televisão norte-americana CNBC, sublinhando que o aumento será na ordem dos “12 a 25 cêntimos por litro de gasolina”. Contudo, nos últimos dois anos, diz a BBC, o mercado perdeu dois milhões de barris provenientes da Venezuela e do Irão e os preços não subiram, e muito menos se fizeram sentir no consumidor. Se os ataques tiverem impacto no preço, será de curto prazo, diz a televisão britânica.
Ligação Teerão
A ligação entre os ataques e Teerão começou a ser desenhada poucas horas depois dos drones atingirem as instalações. O ministro da Energia saudita, Khalid al-Falih, disse que estes ataques vieram no decorrer de uma “série de actos, incluindo contra petroleiros, e têm como objectivo perturbar a cadeia de fornecimento internacional de petróleo”. Desconhece-se qualquer ataque de rebeldes houthis a petroleiros, enquanto Washington e Riade acusaram Teerão de ter sabotado seis petroleiros no Golfo Pérsico entre o final de Maio e início de Junho, o que este nega e acusa os EUA de quererem guerra.
A tensão entre os EUA e o Irão tem estado elevada desde que o primeiro abandonou unilateralmente, em 2017, o acordo nuclear firmado pela Administração Obama em 2015. Impôs duras sanções à República Islâmica e a troca de ameaças entre os dois lados tem sido constante, a que se juntam acusações norte-americanas de que Teerão está a realizar uma guerra por procuração no Líbano, no Iraque e no Iémen. O Irão apoia o movimento xiita libanês Hezbollah, milícias iraquianas (que já lançaram mísseis contra refinarias norte-americanas no Iraque) e os houthis.
O Iémen é um tabuleiro nessa disputa regional. A guerra civil está num impasse e o total número de mortos, cuja maioria são civis, já ultrapassa os 100 mil, dizem as Nações Unidas. Há pessoas a morrer de fome e por falta de medicamentos e mais de 20 milhões sofrem com o bloqueio marítimo saudita e os constantes bombardeamentos, muitos dos quais em áreas civis, afirma a ONU.