Cameron não se arrepende de ter convocado o referendo, mas não poupa Boris
O primeiro-ministro que em 2016 convocou o referendo que desencadeou o “Brexit” aproveitou uma entrevista a propósito do seu livro de memórias para ajustar contas com Boris Johnson e com Michael Gove, que acusa de terem destruído o seu Governo.
O ex-primeiro-ministro britânico David Cameron diz estar extremamente preocupado com o futuro do Reino Unido por causa do “Brexit”. Numa entrevista de lançamento do seu livro de memórias, o político responsável pela convocação do referendo que acabou por abrir caminho à saída do país da União Europeia diz não haver um dia em que não pense em todo o processo.
Ausente dos holofotes da política britânica praticamente desde que apresentou a demissão, horas depois de ter sido consumada a vitória do “Leave” no referendo de 2016, David Cameron quebrou o silêncio para reflectir sobre os conturbados tempos nas Ilhas Britânicas.
Numa entrevista ao Times publicada este sábado, o conservador diz que o resultado do referendo que convocou o deixou “extremamente deprimido”, mas não se arrepende da decisão, uma vez que esta era “uma questão que não ia desaparecer”.
“Todos os dias penso nisso, no referendo e no facto de termos perdido, nas consequências e nas coisas que poderiam ter sido feitas de forma diferente, e fico extremamente preocupado com o que se irá passar a seguir”, afirmou Cameron durante a entrevista que serve para promover o seu livro de memórias For The Record (Para Memória Futura).
Cameron teceu duras críticas aos seu ex-ministro Michael Gove e ao actual líder do Executivo, Boris Johnson, ambos seus companheiros de partido, que acusou de terem deixado “a verdade em casa” durante a campanha que antecedeu o referendo, que definiu como um “psicodrama tory”.
“O que Boris e Michael Gove estavam a fazer era bem mais entusiasmante do que os temas que eu estava a tentar explicar. Senti que estava numa espécie de pântano no final”, recordou.
Durante a entrevista, Cameron volta a apontar baterias aos dois tories, acusando-os de “destruir o Governo do qual faziam efectivamente parte”. “Boris nunca exigiu a saída da UE, certo? Michael era bastante eurocéptico, mas era alguém que sempre conheci como um conservador liberal, compassivo, racional e acaba a defender argumentos sobre a [entrada na UE] Turquia e sobre estarmos a ser invadidos [por migrantes e refugiados], e coisas do género.”
O ex-primeiro-ministro não exclui a possibilidade de se convocar um segundo referendo, juntando-se a um número crescente de políticos britânicos a defender essa via, tais como Tony Blair ou Gordon Brown.
Ainda assim, Cameron diz que a saída do Reino Unido não terá necessariamente de ser um momento dramático. “Penso que podemos chegar a uma situação em que saímos, mas somos amigos, vizinhos e parceiros. Podemos chegar lá, mas gostava de passar à frente directamente para esse momento, porque é uma memória dolorosa para o país e é doloroso de assistir”, lamentou.