Morreu Charlie Cole, o fotógrafo do homem do tanque em Tiananmen
O fotojornalista norte-americano captou o momento em que um só homem desafia uma coluna de tanques chineses na Praça de Tiannamen a 5 de Julho de 1989. A fotografia tornou-se um símbolo mundial de desobediência pacífica.
Charlie Cole, um dos quatro fotojornalistas que capturaram o momento em que um homem impede a passagem de tanques na Praça de Tiananmen, na China, em 1989, morreu. A sua fotografia percorreu o mundo e tornou-se num símbolo de resistência pacífica.
Nascido em Boham, Texas, Estados Unidos, Cole, de 64 anos, morreu na semana passada em Bali, na Indonésia, onde residia há mais de 15 anos. Tinha 64 e uma vida de experiência na cobertura de protestos, refere a revista norte-americana Today. E com essa fotografia venceu o prémio de fotografia do ano do World Press Photo de 1990.
A fotografia foi publicada na revista norte-americana Newsweek e mostra um só homem a impedir uma coluna de tanques chineses a 5 de Julho de 1989, na avenida de Chang'An, na Praça de Tiananmen. A imagem definiu o olhar sobre os protestos pró-democracia que abalaram profundamente o regime comunista chinês.
O fotojornalista norte-americano captou o momento na varanda de um dos quartos do Hotel Pequim, onde o seu colega britânico Stuart Franklin estava hospedado. Sabendo que o quarto seria revistado, envolveu o negativo em plástico e escondeu-o no depósito de água da sanita. As forças de segurança chinesas chegaram poucos minutos depois e reviraram o quarto do avesso. Levaram-lhe as câmaras, sem, no entanto, encontrarem o negativo. E poucas semanas depois a fotografia aparecia na Newsweek.
“Penso que a atitude [do homem] tocou no coração das pessoas e, quando o momento chegou, o seu carácter definiu o momento, em vez de ser o momento a defini-lo”, disse Cole ao New York Times. “Ele fez a imagem. Eu fui apenas um dos fotógrafos. E sinto-me honrado por lá ter estado”.
Além de Cole, o momento em que o homem desafia os tanques foi captado por outros três fotógrafos, entre os quais Arthur Tsang. Segundo próximos do fotojornalista norte-americano, Cole lamentava que a fotografia se tivesse tornado um ícone da tragédia que se viveu em Tiananmen, à semelhança da fotografia dos últimos helicópteros dos Estados Unidos a abandonarem a embaixada norte-americana em Saigão (hoje Ho Chi Minh), no Vietname, em 1975, do holandês Hugh van Es.
Sobre os acontecimentos de 5 de Julho de 1989, Cole admitiu mais tarde que acreditava que o homem seria morto ali mesmo pelos militares chineses, mas os seus receios não se concretizaram. O homem foi retirado da frente dos blindados por outros dois homens, diz a BBC. Não se sabe o que lhe aconteceu.
Os números de mortos no decorrer da repressão são ainda hoje disputados. Pequim garante que morreram 200 pessoas, entre civis e forças de segurança, enquanto testemunhas e correspondentes estrangeiros contrapõem dizendo que o número pode chegar aos três mil, afirma a BBC. E 1602 pessoas foram condenadas a penas de prisão, com o último dos presos a ter sido libertado em Outubro de 2016.
Sabe-se, no entanto, que os acontecimentos desse ano na grande praça de Pequim continuam ainda a ser censurados pelo regime, inclusive a fotografia de Charlie Cole, bloqueada nas redes sociais e Internet. Todavia, e para marcar o 30.º aniversário dos protestos pró-democracia, em 2019 milhares de pessoas saíram à rua na Praça, desafiando Pequim, que não quer que a memória de Tiananmen continue a ecoar.