Biden renasce ao terceiro debate e sobrevive ao “socialismo” de Sanders e Warren
Candidatos do Partido Democrata continuam divididos sobre o caminho a seguir para derrotar Donald Trump: mais ao centro com Joe Biden, ou mais à esquerda com Bernie Sanders ou Elizabeth Warren.
Depois de uma curta e estranha fase, nos meses de Junho e Julho, em que alguns candidatos do Partido Democrata às eleições para a Casa Branca pegaram no legado de Barack Obama com pinças, como se se tratasse de um activo tóxico, a Terra parece ter voltado a girar no sentido normal. Ao terceiro debate, na madrugada de sexta-feira (hora de Portugal), os principais candidatos uniram-se mais nos elogios a Obama do que nas críticas a Donald Trump, e os ponteiros da campanha pouco mexeram: Joe Biden continua a ser o favorito, Elizabeth Warren e Bernie Sanders mantêm-se juntos na perseguição pela esquerda, e os restantes continuam sem descobrir a fórmula para entrar a sério na corrida mais importante do Partido Democrata nas últimas décadas.
Apesar do ambiente um pouco menos crispado do que o habitual nestes primeiros meses da campanha, o que aconteceu na Universidade do Sul do Texas, em Houston, não deixou de ser um debate entre políticos.
Por isso, não faltaram aqueles momentos, ensaiados ou de improviso, em que um candidato tenta entusiasmar os utilizadores do Twitter com uma tirada que podia ser pontuada com um “mic drop” – aquele gesto de deixar cair o microfone ao chão quando alguém cala um interlocutor com uma resposta brilhante.
Num desses momentos, o candidato Julián Castro, que foi secretário da Habitação na equipa de Obama, tentou ganhar pontos com uma referência à idade do antigo vice-presidente Joe Biden, de 76 anos: “Já se esqueceu do que disse há dois minutos?”, perguntou Castro, de 44 anos, quando se discutiam as propostas para a área da Saúde.
Em resposta, o candidato mais jovem na campanha do Partido Democrata, Pete Buttigieg, de 37 anos, repreendeu Castro: “É por isto que as pessoas estão a deixar de ver os debates.”
Castro, que ainda não conseguiu furar a barreira de 1% nas sondagens, tem poucas hipóteses de se destacar nos debates se não marcar pontos com reacções e frases que fazem as delícias das redes sociais. Mas é cedo para dizer se a forma como pôs em causa a capacidade de Biden para dirigir o país – que é um assunto sério para muitos eleitores do Partido Democrata – vai ajudá-lo a dar um salto para a frente ou se vai empurrá-lo ainda mais para baixo.
A senadora Kamala Harris, por exemplo, subiu muito nas sondagens após o primeiro debate, em Junho, quando pôs em causa o passado de Joe Biden sobre questões raciais, mas entretanto regressou ao ponto de partida, atrás dos três grandes favoritos, com apenas 6,5%.
Obama sempre presente
Tirando as batalhas épicas entre Joe Biden e Julián Castro, ou as escaramuças entre Bernie Sanders e o ex-vice-presidente dos EUA, o debate permitiu que fossem discutidos alguns temas importantes para a vida dos cidadãos, com destaque para a saúde, imigração e um pouco de política externa.
Biden voltou a defender a herança de Obama, e dos seus oito anos como vice-presidente dos EUA, ao mesmo tempo que tentou colar os seus dois principais rivais, Warren e Sanders, à ideia de que ambos ameaçam o país com o “socialismo”.
“Eu sei que a senadora apoia Bernie”, disse Biden virando-se para Elizabeth Warren. “Bem, eu apoio Barack”, atirou o antigo vice-presidente dos EUA, que defende uma melhoria incremental da reforma no sector da saúde conhecida como Obamacare, por oposição à proposta mais radical de um seguro para todos (Medicare for All) defendida por Warren e Sanders.
Mas só um dos candidatos à esquerda de Biden mordeu o isco. Sanders, que disputa a atenção de parte do eleitorado com Warren, envolveu-se com Biden em alguns momentos, retratando-o como um candidato que nada mais tem a oferecer do que um regresso ao passado. Mas isso pode não ser suficiente para afastar os seus maiores obstáculos nesta fase da campanha: Biden continua firme no topo das sondagens e Warren ganhou um novo fôlego na luta pelo eleitorado progressista.
Sempre cautelosa para não escorregar, a senadora do Massachusetts tentou manter-se longe de qualquer duelo em particular, e beneficiou de não ter sido transformada num alvo por nenhum dos outros candidatos.
Biden, apesar das suas conhecidas dificuldades em debates, conseguiu defender-se de ataques à esquerda, mas também ao centro, dos candidatos moderados e menos populares do que ele, como Pete Buttigieg ou Amy Klobuchar.
E ainda conseguiu provocar Bernie Sanders: “Para socialista, tem muito mais confiança nas empresas do que eu”, disse Biden, em resposta à ideia de Sanders de que as empresas aumentariam os salários dos seus funcionários se tivessem menos gastos com os seguros de saúde.
Centro ou esquerda
Mais uma vez, ficou bem visível o principal dilema dos candidatos do Partido Democrata numa campanha em que os eleitores lhes pedem uma coisa acima de todas as outras: derrotar Donald Trump no dia 3 de Novembro de 2020 e cortar a meio o sonho de dois mandatos do Presidente norte-americano.
Esse dilema tem, por agora, três personagens principais, que se destacam no meio dos dez que estiveram no debate de quinta-feira, e dos outros dez que não conseguiram cumprir os exigentes requisitos do Partido Democrata para terem a mesma oportunidade.
Se a melhor estratégia para derrotar Trump for aliciar os eleitores que exigem uma mudança na Casa Branca, mas sem afastar logo à partida os que votaram no actual Presidente em 2016, em estados como o Wisconsin, a Pensilvânia ou o Michigan – que tinham votado em Obama em 2012 –, então os apoiantes de Joe Biden terão todo o gosto em salientar o perfil centrista do seu candidato.
Mas se o caminho passar por agitar o eleitorado que está cansado desse centrismo e desejoso de políticas mais ousadas, e sem complexos em relação a palavras como “socialismo”, então os olhos viram-se para Bernie Sanders ou Elizabeth Warren.
Isto era verdade antes do debate desta madrugada, continua a ser verdade depois do debate, e dificilmente deixará de ser verdade nos próximos cinco meses, até ao início das eleições primárias. Se Donald Trump não for reeleito em Novembro de 2020, quando tiver 74 anos, o seu sucessor deverá sair de um grupo de três: Elizabeth Warren, que terá 71 anos; Joe Biden, que fará 77 anos poucos dias depois; ou Bernie Sanders, que fará 80 anos no seu primeiro ano de mandato.
Algo de que os seus adversários, em particular Julián Castro, não se podem esquecer quando voltarem a pisar o palco dos debates, a 14 ou 15 de Outubro, no estado do Ohio.