Togo
Este é o maior mercado de vodu do mundo
Nos subúrbios de Lomé, a capital do Togo, existe um ferrugento portão que é entrada para um universo místico e, para muitos, sombrio. Sob sol tórrido, homens, mulheres e crianças aguardam junto às suas bancas de venda. Nelas repousam talismãs, amuletos, ossadas, cabeças decepadas, chifres cortados, patas amputadas, conchas, penas, espinhos, ervas, poções e elixires. Os artefactos aguardam o resgate de uma clientela muito particular. Afinal, este não é um mercado qualquer: é o maior mercado de vodu do mundo e tem como nome de baptismo Akodessawa Marche des Feticheurs.
Foi em Junho último que o fotógrafo italiano da agência Prospekt Francesco Merlini se deslocou à capital de um dos mais pobres países do mundo. "Os clientes e os turistas, que eram muito poucos, chegam ao mercado de mota ou a pé", narra, em entrevista ao P3, por email. "Quando entram, ouvem os pregões dos vendedores, que tentam atraí-los até á sua banca. Por toda a área, em terra batida, há placas de madeira que anunciam os nomes e os contactos de sacerdotes vodu e curandeiros do mercado. Estão, geralmente, diante de barracas de metal onde os clientes podem entrar para proceder aos seus rituais e feitiços, diante pequenos altares rodeados de garrafas e tigelas cheios de ingredientes indecifráveis." As pessoas falam, gritam, cantam, riem, negoceiam, como em qualquer mercado, garante. Todos os que trabalham em Akodessawa têm raízes no Benim, o "berço do culto vodu moderno", o "Gorovodu" — que se espalhou pelos países vizinhos no golfo da Guiné, nomeadamente pelo Togo, Nigéria e Gana. Isto acontece porque o direito a ter uma banca neste mercado é hereditário.
Foi o fascínio pelo vodu — instigado pelo cinema de Hollywood — que o conduziu até Akodessawa. "Existe uma percepção negativa relativamente ao vodu no Ocidente", refere. "Essa foi fomentada por estereótipos e más interpretações que, desde o tempo colonial, foram difundidos sobretudo por missionários para legitimar as conversões ao cristianismo", explica o italiano. "O vodu é uma prática através da qual as pessoas tentam domesticar a natureza, admitindo a impossibilidade do seu controlo absoluto." Tem a mesma função de uma oração no contexto do Cristianismo. "O sacrifício é uma ferramenta necessária para iniciar o diálogo com o mundo não-humano. Enquanto que, no Cristianismo, o sangue é invocado como ideia, no vodu, o sangue é uma experiência sensitiva e, como tal, deve conter a energia vital da sua vítima."
Por isso, não é de espantar que os artefactos que se encontram em Akodessawa reflictam a "busca obsessiva do vodu por materiais crus". Sobretudo partes de animais. Mortos. De cobras, camaleões, gatos, cães, tartarugas, escorpiões, crocodilos, ratazanas, macacos, antílopes, elefantes, mochos, águas, hienas, cabras, morcegos, búfalos e peixes de muitas espécies. Há também álcool e elixires, mas o ingrediente principal é o sangue. Todos, afinal, fazem parte de receitas e rituais e medicamentos tradicionais. Merlini deixa alguns exemplos: camaleões secos e estrelas do mar misturadas com cabeças de papagaio transformadas em pó e misturadas com mel; uma toma diária fortalece a inteligência e a memória. Gatos e mochos em pó misturados com sangue são a receita de uma vacina contra a bruxaria. Peles de crocodilo, cobra, leão, leopardo e de outros animais são maceradas até se tornarem líquidas; beber a poção protege contra a magia negra. Lagartos secos são amuletos de amor. Carapaças e patas de tartaruga em pó são usadas para produzir medicação para a asma.
As receitas variam consoante o sacerdote vodu ("sofo", na língua local), assim como o seu efeito. "Não esperava encontrar também animais vivos", comenta o fotógrafo. "Só passados alguns dias é que começaram a mostrar-me os camaleões vivos, os escorpiões, os porcos-espinhos, as cobras, aves e outros animais. Normalmente mantêm-nos fechados dentro das barracas de metal. A sua presença suscita muitas questões relacionadas com crueldade e contrabando de animais que pertencem a espécies raras e protegidas."
Um dos aspectos que impressionou Francesco Merlini foi o grande altar que existe no epicentro do mercado. Um altar completamente preto. "Perguntei às pessoas o que era e explicaram-me que o negro se deve ao facto de estar coberto de sangue oxidado." Aprendeu que todos os anos, em Dezembro, muitos animais são sacrificados numa cerimónia em prol da prosperidade dos profissionais metalúrgicos. "Durante a cerimónia, o sangue dos animais sacrificados é jorrado sobre o altar, sobre a camada de sangue da cerimónia do ano anterior. E assim sucessivamente."
No mercado toda a gente sublinhou que o vodu oferece protecção e sorte, "ao contrário da bruxaria que é sempre realizada para produzir efeitos negativos". Por isso, apesar de 30% dos togoleses se terem convertido ao cristianismo e de 20% serem muçulmanos, "quase todos curam o corpo e o espírito com medicamentos tradicionais que têm origem no vodu. "E os ingredientes para os fazer estão neste mercado."