Hong-Kong, o novo farol da democracia

Pequim não pode repetir a repressão de Tiananmen. Pelo menos por agora. Mas a aproximação de Outubro, quando a China celebra os seus 70 anos de regime comunista, adensa o mistério sobre o que se vai passar a seguir.

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LUSA/JEROME FAVRE

As ruas de Hong Kong tornaram-se nas últimas 13 semanas o lugar do planeta onde se trava a mais genuína, legítima e emocionante batalha pela democracia. Se no hemisfério norte, o da democracia liberal, há partidos da direita radical a conquistarem cada vez mais votos, se as simpatias veladas para com Jair Bolsonaro ou Donald Trump começam a vir de até há pouco insuspeitos democratas, se até o velho parlamentarismo britânico cede sob a pressão do “Brexit” e de um primeiro-ministro capaz de tudo, em Hong Kong centenas de milhares de pessoas lutam exactamente pelo que o Ocidente parece disposto a prescindir.

As jornadas de protesto fazem-se sob chuva, perante a ameaça policial, em frente ao parlamento, no aeroporto, com determinação, coragem e em nome de valores que nenhum democrata pode deixar de apoiar. Hong Kong tornou-se o farol da luta pela democracia. Se o detonador das manifestações foi uma controversa lei de extradição, o desígnio final da campanha é o sufrágio universal. Uma medida prevista no acordo de transmissão da soberania de Hong Kong para a China que Pequim não quer de todo aceitar. Por isso a luta de Hong Kong é corajosa. Por isso será determinante para o futuro da liberdade na China e na Ásia.

Não fosse Hong Kong um centro financeiro nevrálgico para a economia chinesa e de toda a região, não houvesse uma sociedade civil cosmopolita e uma imprensa livre, os protestos teriam já sido subjugados. Felizmente, Pequim não pode repetir a repressão de Tiananmen. Pelo menos por agora. Mas a aproximação de Outubro, quando a China celebra os seus 70 anos de regime comunista, adensa o mistério sobre o que se vai passar a seguir. O modelo de “um país dois sistemas” dá para muita coisa, mas aos olhos da China não dá para um sistema democrático em Hong Kong.

Com a repressão a aumentar (até ao nível económico, como o sabem trabalhadores da companhia aérea Cathay Pacific), com o exército na fronteira em manobras ameaçadoras, sem que se veja pressão externa nem ameaças de sanções, a causa dos manifestantes parece hoje uma utopia. Também por isso esses milhares de pessoas merecem o nosso reconhecimento. Quando a democracia liberal está em recuo na Europa e nas Américas, o que vemos há 13 semanas em Hong Kong é um bálsamo para todos os que acreditam na liberdade. Lá luta-se pelo regime que cá temos. Têm razão. Apesar de todos os problemas, continua a ser bem melhor do que o regime autocrático que o pretenso comunismo chinês quer manter em Hong Kong.

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