Restrição encapotada das liberdades fundamentais
À excepção das tentativas de controle da comunicação social pelo Governo Sócrates, este é provavelmente o maior ataque à democracia e às liberdades desde o 25 de Novembro de 1975.
Antes da greve dos motoristas de matérias perigosas começar, o que mais me preocupava era o impacto que teria na minha vida, por exemplo, a dificuldade que poderia criar a ir de férias. No início do primeiro dia da greve comecei por ficar satisfeito com o impacto reduzido da mesma no abastecimento, mas ao fim do dia comecei a ficar preocupado com os meios que o Governo usou para alcançar esse fim: decretar serviços mínimos que não deixam quase nada de fora e a requisição civil. Não está em causa o abastecimento dos hospitais ou serviços fundamentais, está em causa abastecer toda a população e as empresas, ou seja, esvaziar completamente os efeitos da greve: não se proíbe directamente a greve, mas faz-se quase a mesma coisa por outras vias, abusando de mecanismos previstos para outros fins.
A maioria dos portugueses está feliz pelo reduzido impacto da greve, são apenas algumas centenas de motoristas que são afectados negativamente. Mas esquecem-se que amanhã podem ser quaisquer outros portugueses a ver os seus direitos limitados. Neste contexto, é secundário se as razões dos motoristas são válidas ou não, se justificam a greve ou não. Mesmo que não sejam, os meios usados pelo Governo (serviços mínimos abrangendo quase tudo e requisição civil) não justificam os fins (esvaziar os efeitos da greve). Greves políticas, em que os trabalhadores são instrumentalizados pela Intersindical para servir os interesses do PCP, sempre existiram. No tempo de Passos Coelho houve períodos com greves de transportes quase todas as quintas-feiras para atacar o Governo e ninguém sequer se lembrou de limitar o direito à greve (nem mesmo perante abusos ostensivos desse direito) como a “geringonça” está a fazer agora.
E não é só o Governo e o PS, vejam o silêncio cúmplice do PCP e do BE. Imaginem o estardalhaço que teriam feito se o Governo de Passos Coelho tivesse feito o que eles estão a fazer agora. À excepção das tentativas de controlo da comunicação social pelo Governo Sócrates, este é provavelmente o maior ataque à democracia e às liberdades desde o 25 de Novembro de 1975. E não nos esqueçamos da concepção de liberdade do BE e PCP: são acérrimos defensores da liberdade quando não têm o poder absoluto nas mãos, mas se o conseguirem a liberdade é só para eles, acabando com a de todos os outros. Era assim em Portugal antes do 25 de Abril, na Alemanha nazi, bem como na União Soviética, Cuba e Venezuela, de cujos regimes o BE e o PCP tanto gostam. Lembram-se do caso de Jaime Nogueira Pinto, que foi impedido de falar na Universidade Nova pelos meninos bloquistas, que o acusavam de ser fascista? Quem quer uma democracia em que, para usufruir da liberdade de expressão, é preciso autorização do BE?
Pouco antes do 25 de Abril, quando tinha cerca de dez anos, disse algo de que não me lembro e a minha disse: “Cala-te, senão vem a polícia e prende o teu pai.” Tive medo, o 25 de Abril soube-me muito bem, e não quero voltar a viver num regime daquele tipo. A maioria dos portugueses também. Por isso seria bom que os portugueses percebessem que o mais importante na greve dos camionistas não são as implicações que podem ter nas nossas férias deste ano ou no turismo. É o precedente que se abre para pôr em causa as liberdades conquistadas com o 25 de Abril.