Os microplásticos caem com a neve e a chuva. E estão por todo o lado
Investigadores descobriram micropartículas de plástico em amostras de neve recolhidas na Alemanha, Suíça e no Árctico. Ainda que a concentração mais alta seja encontrada na Europa (em áreas habitadas), as micropartículas podem mesmo chegar a lugares remotos. É oficial: está a chover plástico.
Que os oceanos estão cheios de plástico já não é novidade. E, apesar de ainda haver pouca investigação científica sobre o tema, é também sabido que estas micropartículas de plástico invisíveis a olho nu podem ser transportadas pelo ar por distâncias superiores a 100 quilómetros: no topo dos Pirenéus, Steve Allen já tinha encontrado concentrações de microplásticos semelhantes às de Paris ou de uma megacidade industrial chinesa. Agora, um estudo publicado na revista Science Advances mostra que os microplásticos transportados pelo ar e caem depois sob a forma de neve (ou chuva), chegando a regiões tão remotas como o Árctico ou os Alpes Suíços.
A descoberta foi feita por cientistas do Instituto Alfred Wegener de Investigação Polar e Marinha, que analisaram amostras de neve em zonas habitadas, como as regiões da Heligolândia e Baviera e a cidade de Bremen, na Alemanha, e de áreas remotas, como os Alpes suíços e Árctico. A conclusão? Ainda que a concentração de microplásticos seja mais elevada na Europa, é também substancial no Árctico. Ou seja, em todos estes locais foram registados altos níveis de concentração de micropartículas de plástico.
Graças ao movimento das ondas do mar e às radiações ultravioleta do Sol, o lixo é gradualmente dividido em pedaços cada vez mais pequenos, que se vão espalhando por toda a parte e acabam por chegar até nós. Um relatório do Fundo Mundial para a Natureza mostra que estamos a ingerir até cinco gramas de plástico por semana: o equivalente a um cartão de crédito. Estas partículas são também ingeridas por animais, especialmente marinhos, que as confundem com alimento no oceano.
Recentemente, uma outra equipa encontrou micropartículas de plástico em amostras de precipitação recolhidas na região das Montanhas Rochosas, no Colorado. Gregory Wetherbee, dos Serviços Geológicos dos Estados Unidos, é um dos autores do estudo “Está a chover plástico”, que levanta novas questões sobre o impacto ambiental provocado pelas actividades humanas e sublinha a ideia de que as partículas de plástico podem viajar por centenas ou milhares de quilómetros.
Agora o estudo dos investigadores do Instituto Alfred Wegener, intitulado “Branco e maravilhoso? Microplásticos prevalecem na neve dos Alpes ao Árctico”, aponta que o mesmo acontece com a neve. As concentrações de plástico encontradas foram bastante altas, o que indica uma contaminação significativa da atmosfera. Nada que tivesse surpreendido Melanie Bergmann, uma das líderes do grupo de investigação: “É facilmente perceptível que a maioria do plástico encontrado na neve vem do ar.” A sua hipótese é suportada por uma investigação anterior com grãos de pólen — especialistas confirmaram que o pólen de latitudes médias (áreas que estão situadas entre os trópicos e as regiões polares) é transportado pelo ar até ao Árctico. E estes grãos têm aproximadamente o mesmo tamanho do que as partículas de microplástico — ou seja, menos de cinco milímetros de diâmetro.
A maior concentração de microplásticos foi encontrada numa zona rural na Baviera, onde foram encontradas 154 mil partículas por litro de neve; no Árctico foram mais de 14.400 partículas por litro. Os tipos de plástico encontrados variam consoante o local: no Árctico, os investigadores encontraram principalmente partículas de borracha nitrílica (usada em vedações e mangueiras, por exemplo), acrilatos (formam os polímeros acrílicos) e tinta. Já na Baviera, as amostras continham especialmente vários tipos de borracha utilizados em diferentes aplicações, como pneus.
Um aspecto realçado por Gunnar Gerdts, outro dos líderes da equipa de investigação, é o facto de as concentrações de microplásticos serem consideravelmente mais altas do que as concentrações encontradas noutros estudos, tais como as partículas de pó do deserto do Sara, que viajam mais de 3500 quilómetros. O que, segundo o investigador, pode acontecer por dois motivos: “O primeiro é que a neve é extremamente eficiente a transportar microplásticos da atmosfera. Depois, pode dever-se também à [técnica de] espectroscopia no infravermelho que utilizámos”. Esta técnica pode “detectar até as mais pequenas partículas”, como as de 11 micrómetros (milésima parte de um milímetro) — as mais pequenas que foram encontradas.
Se as micropartículas viajam até aos solos e oceanos, também conseguem entrar na cadeia alimentar. Em áreas habitadas, é comum remover neve das ruas e transportá-la para outro sítio. Por isso, o estudo alerta que os locais de deposição da neve devem ser escolhidos com cuidado, de forma a evitar a contaminação de áreas sensíveis. Mais ainda, “os microplásticos caíram do ar, o que pode ser considerado um factor de poluição atmosférica” — e particularmente importante no contexto da saúde humana e animal, sobretudo em locais habitados, onde os residentes podem estar a respirar as partículas.
Ainda não são conhecidos os impactos destas partículas na saúde humana, mas o estudo adianta alguns riscos como irritação respiratória, alveolite alérgica ou fibroses. Em Outubro de 2018, foram encontradas pela primeira vez 20 partículas de microplásticos em cada dez gramas de fezes humanas. “Mesmo que parássemos a produção de plásticos agora”, alertava Steve Allen no seu estudo de Abril deste ano sobre microplásticos nos Pirenéus, “não sabemos durante quanto tempo é que vão continuar a chover do céu ou a fluir para os oceanos”.