Vítor Oliveira, o acelerador de partículas

Aconteça o que acontecer de agora em diante, o Gil Vicente já marcou uma posição neste campeonato. Para o FC Porto, a surpreendente derrota em Barcelos poderá ser reduzida à dimensão de mero acidente de percurso caso, em Maio, consiga chegar ao título. Para os minhotos, o raciocínio será o inverso: no cenário de um final de época amargo, poderão sempre recordar com orgulho o dia em que se reencontraram com a elite do futebol nacional. Fraco consolo caso falhem o objectivo principal? Talvez, mas ainda assim um marco para uma história já longa.

Deixemos de lado a futurologia para nos centrarmos no presente e no passado recente. O que Vítor Oliveira e a sua entourage conseguiram na 1.ª jornada da Liga foi contrariar, em toda a linha, as probabilidades. Aquelas que sublinhavam o palmarés, o poderio e a qualidade do plantel do FC Porto; e aquelas que recordavam que este Gil Vicente se submeteu, mais do que a uma operação de cosmética, a um relançamento do seu projecto desportivo, reconstruído a partir das fundações por força de um “salto quântico” do terceiro até ao primeiro escalão.

Não por acaso, Vítor Oliveira referiu-se a esta empreitada, ainda durante a preparação da pré-temporada, como o desafio mais difícil da carreira. “O projecto do Gil Vicente vai começar do zero. Penso que é até inédito no futebol português, mas estamos a trabalhar muito, por forma a fazermos uma equipa que possa conseguir os objectivos, que passam por mantermo-nos na I Liga”, assumiu o técnico, que decidiu agitar um percurso brilhante na segunda divisão com (mais) uma viagem até ao topo da pirâmide.

O que está em causa neste regresso de Barcelos ao mapa do futebol de primeira linha é uma equipa técnica e um plantel totalmente renovados. Os números são esclarecedores, a este respeito: 23 reforços num conjunto de 28 jogadores. Uma equipa inteira de contratações, o que significa uma equipa inteira para instruir desde a casa de partida; mais de duas dezenas de atletas para assimilarem, pela primeira vez, as linhas mestras de um modelo que forçosamente tem de ser construído degrau a degrau.

Não há atalhos para o sucesso, mas há formas de esconder as fragilidades quando a equipa ainda gatinha rumo a novos patamares. Sagaz, como sempre, Vítor Oliveira ensaiou com rigor o momento da organização defensiva, socorrendo-se de um “patrão” que foi buscar ao mercado justamente porque já lhe conhece a metodologia e lhe permitiria ajudar a impulsionar os colegas. Rúben Fernandes, central com o qual já tinha trabalhado no Portimonense, vestiu rapidamente a pele de capitão e, diante do FC Porto, contribuiu para um controlo permanente da profundidade e para reduzir o espaço entre linhas.

Quando convidado a comentar a “loucura” que foi a construção do actual plantel, Vítor Oliveira começou por elogiar o trabalho de observação e recrutamento da estrutura gilista, assumindo que deu um contributo decisivo ao acrescentar elementos que acreditava que pudessem dar uma resposta à altura na I Liga. “Fomos juntando as peças. Isto ainda é um bocadinho desarticulado, mas estamos a trabalhar para ser o mais articulado possível no mais curto espaço de tempo”, avaliou.

Aparentemente, as parcas seis semanas de trabalho que antecederam a estreia no campeonato 2019-20 foram suficientes para construir um “onze” solidário, que teve como maior mérito de todos a capacidade de responder à adversidade (o golo do empate) num daqueles momentos delicados que costumam ser de viragem no jogo. Essa foi talvez a maior prova de maturidade que a equipa podia ter deixado no relvado de Barcelos.

Numa carreira que começou em 1978, em Famalicão, Vítor Oliveira pode vangloriar-se de já ter treinado 10 (isso mesmo, 10) das 18 equipas que competem actualmente no campeonato português. A experiência, por si só, não é sinónimo de competência, mas quando um treinador se mantém durante tantos anos a este nível, não faz sentido falar em coincidências.

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