Sou constantemente assaltado pela seguinte questão: porque é tão difícil ser boa pessoa? Já todos sabemos que comportamento gera comportamento, o amor resolve tudo e o karma, quando calha, pode ser bem tramado e, ainda assim, olhando para as atitudes de algumas pessoas, parece que existe uma tendência vertiginosa para o masoquismo. Se é óbvio que recebemos tudo o que damos ao mundo, não seria de esperar que as nossas atitudes fossem bastante diferentes? Parece demasiado simples para ser impossível.
Os optimistas, nos quais eu gosto de me incluir, adoram pregar, por vezes de uma forma exaustiva, que o universo conspira a nosso favor. Acredito nisto plenamente, mas também tenho consciência de que é preciso fazer por isso. A matéria-prima que utilizamos é crucial para a qualidade do produto final. Imbuído neste espírito de reciprocidade, decidi colocar à prova esta força intangível que, subtilmente, vai arquitectando aquilo que comummente apelidamos como “sorte” ou “azar”. Durante alguns dias, de forma consciente e propositada, facilitei a vida a todos os carros com quem partilhava o asfalto. Deixei que me passassem à frente, não apitei, agradeci, sorri e acenei. Enfim, se existisse um globo de ouro para o melhor condutor, eu seria um sério candidato ao prémio. Independentemente do resultado final, a experiência em si já me tinha dado um prazer do caraças. Sabe bem fazer o bem, até me senti mais leve. Mas não foi só isto... Sabem que mais? Como um bem nunca vem só, nesses dias, as pessoas também estavam “misteriosamente” simpáticas e agradáveis comigo. Como por magia, de repente, o comportamento dos outros condutores tornou-se num espelho do meu.
Isto não tem nada de novo nem de extraordinário. Porém, a distância que separa a teoria da prática não tende a diminuir. A ideia faz sentido, até que acreditamos, mas porque razão a impulsividade e o instinto de sobrevivência continuam a prevalecer? Porque será que, no momento de agir, tendemos sempre para o mesmo lado?
Quando somos crianças, fazemos amigos com imensa facilidade, metemo-nos com toda a gente e não pensamos muito nas consequências. À medida que crescemos, vamos sendo “preparados” para a vida e transmitem-nos, repetidamente, a ideia de que o mundo é uma selva e a sociedade está perdida. Somos postos em modo alerta e atentos a todos os perigos. Acreditamos piamente no “eu e eles”, sem nunca colocarmos a hipótese de que tudo isto se resume a um maravilhoso “nós”. Chegamos ao triste ponto de confundir bondade com ingenuidade. Sempre que ouço “Ah, mas é tão boa pessoa”, acompanhado de um tom de voz mais doce e um ligeiro inclinar do pescoço, pergunto-me: “Onde raio é que nos perdemos?”. Ser correcto, generoso e bem-educado, hoje em dia, é mais visto como fragilidade do que como virtude. Isto faz algum sentido?
Fomos induzidos a acreditar numa ideia binária de que ou somos predadores ou somos presas, ora não fosse este mundo uma selva densa, cheia de perigos. Disseram-nos que, para ganharmos, alguém tem de perder. Tudo se transformou numa longa e insustentável competição. Infelizmente, a palavra “cooperação” ainda não consta da maioria dos dicionários. Fruto de toda esta inconsciência, acabamos por não perceber que, mesmo sendo um predador, mais tarde ou mais cedo, vamos ser vítimas dos danos que causámos. Tudo isto é um inseparável “nós”, lembram-se?
No que toca à questão se as pessoas são essencialmente boas ou más, eu partilho da opinião do músico brasileiro Criolo: “As pessoas não são más, elas só estão perdidas”. Provavelmente, a grande maioria das ditas “más pessoas” são apenas “ex-boas pessoas” que, calejadas pelas desilusões, fermentaram a amargura e começaram a destilar ódio. Será que resolve respondermos com ainda mais agressividade a estas pessoas? Não me parece. Apagar fogos com gasolina nunca deu bom resultado. Em vez disso, que tal experimentarmos aumentar a dosagem de compaixão e deixarmo-nos surpreender pelo resultado final? E não, não temos de o fazer pela pessoa em questão. Temos, essencialmente, de o fazer por nós, pelo nosso bem-estar e paz de espírito.
A definição de insanidade de Albert Einstein, na minha opinião, continua a ser a melhor de todas. Não podemos esperar resultados diferentes se fizermos sempre a mesma coisa. Quem semeia ventos muito dificilmente irá colher um dia de praia. Como optimista que sou, sei que melhores dias virão, basta começarmos por nós. No trânsito, no trabalho, em casa, onde quer que seja. Ser boa pessoa é grátis, só custa se não o formos. Cabe a cada um de nós dar o seu melhor para viver de forma mais sábia. Sim, é possível viver além daquilo que nos aconteceu. O passado não tem de ser uma sentença, caso estejamos dispostos a aprender, pode ser apenas uma lição e tornar-nos melhores pessoas. Que nada nem ninguém nos faça deixar o nosso bom fundo arrefecer. Afinal de contas, para realmente vingarmos na vida, não podemos, de todo, guardar qualquer rancor.
P.S.: Esta reflexão é dedicada a todas as pessoas que, de forma incansável, insistem em semear o bem e que nunca deixaram de acreditar na essência do ser humano.