As restrições ao acesso dos cidadãos aos edifícios dos tribunais

Numa sociedade democrática do séc. XXI, não há mais espaço para que um reduzido grupo de “profissionais” investigue, acuse, defenda, julgue e puna os restantes cidadãos à margem da sociedade, sob um mando de mistério, com ritos e linguagem que só eles próprios, e porventura nem todos, conhecem e dominam.

A publicidade dos processos jurisdicionais protege os particulares que neles intervêm contra uma justiça de gabinete, administrada sem o escrutínio social. Conclusão que, pese embora incontornável relativamente a todas as jurisdições, impõe-se com maior intensidade no domínio penal.

Com efeito, o exercício do jus puniendi, que consubstancia uma das formas mais intensas e radicais de dominação do homem pelo homem, traduz-se, em regra, na ação de um poder colossal, que pode utilizar meios profundamente agressivos para direitos fundamentais, relativamente a pessoas mais ou menos isoladas. Acresce que este quadro potencia a prática de comportamentos anómalos, nomeadamente abusos e desvios de poder, ou simplesmente erros, por parte das entidades e agentes que concorrem para a administração da justiça penal, os quais podem revelar-se gravemente lesivos de direitos fundamentais de arguidos e suspeitos.

Por outro lado, o princípio democrático importa que o povo possa e deva conhecer e validar (ou não) o exercício dos poderes públicos. Não escapando a este programa a atividade das entidades e agentes que concorrem para a administração da justiça. O que, portanto, requer a máxima abertura possível dos processos jurisdicionais.

Acresce que a publicidade destes processos assegura outros princípios constitucionais, designadamente, os princípios da separação de poderes, da independência dos tribunais, da imparcialidade dos juízes e da autonomia do MP. Quanto mais vasta for a publicidade dos processos jurisdicionais, por um lado, mais difícil se torna que os restantes poderes pressionem e condicionem o poder jurisdicional, os juízes, a PGR e os magistrados do MP e, por outro lado, mais facilmente são afastadas dúvidas e desconfianças relativamente à atuação de todos estes atores da administração da justiça.

Ademais, a publicidade dos processos jurisdicionais permite que os cidadãos, não só conheçam melhor as leis, como também que as discutam, pugnem por alterações às mesmas, critiquem orientações e procedimentos jurisprudenciais e reclamem medidas que favoreçam a boa administração da justiça. O que não só nada tem de subversivo, como bastas vezes na história apresentou resultados grandemente vantajosos para o progresso social.

Para além disso, a publicidade dos processos jurisdicionais é da maior importância com vista a que os cidadãos estejam informados sobre a ocorrência de atividades ilícitas, quer para se precaverem, quer para contribuírem para o combate às mesmas. Bem como é indispensável para se alcançar o efeito de prevenção geral das penas.

Na verdade, a administração da justiça é uma questão radicalmente comunitária e política. Por conseguinte, numa sociedade democrática do séc. XXI, não há mais espaço para que um reduzido grupo de “profissionais” investigue, acuse, defenda, julgue e puna os restantes cidadãos à margem da sociedade, sob um manto de mistério, com ritos e linguagem que só eles próprios, e porventura nem todos, conhecem e dominam.

Deste modo, a publicidade dos processos jurisdicionais somente deve ser restringida a título excecional e na estrita medida em que tal se mostrar efetivamente necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionais. Não sendo, em caso algum, de admitir a sua inexistência absoluta.

Contudo, nos últimos tempos, têm sido impostas fortes limitações ao acesso dos cidadãos aos edifícios onde funcionam os tribunais. Tempo e mais tempo em filas de espera, por vezes a céu aberto, passagem por detetores de metais, revista, identificação, registo informático de entrada, depósito de objetos pessoais em cofres de complexo manuseamento, registo informático de saída… Tudo com a intervenção direta de seguranças privados fardados e o olhar atento de agentes da Polícia de Segurança Pública.

Para além de outros efeitos negativos, esta realidade desincentiva fortemente os cidadãos de acederem aos edifícios onde funcionam os tribunais a fim de assistirem às audiências processuais. O que afasta ainda mais a administração da justiça da sociedade, estreitando mais ainda a imprescindível realização das sobreditas funções subjetivas e objetivas da publicidade dos processos jurisdicionais.

Diz-se que as referidas medidas se impõem para garantia da segurança. Porém, inexiste qualquer dado empírico que sustente tal afirmação. Pelo que estou em crer que uma vez mais se está a invocar abstratamente a necessidade de se garantir a segurança para se restringir direitos fundamentais e princípios basilares do Estado social e democrático de direito.

Mas mesmo que aquela afirmação se assuma de barato, não pode deixar de se concluir que o princípio da proporcionalidade exige que se tomem medidas de sentido contrário, com vista à harmonização de todos os direitos e interesses antagónicos em presença. Ora, a meu ver, perante as referidas medidas restritivas da publicidade dos processos jurisdicionais, a contramedida que melhor permite essa harmonização é a transmissão, através da Internet, na íntegra, dos atos processuais que devam ser públicos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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