– Apetecia-me desaparecer e não dizer nada a ninguém, confessou-me a Vanessa.
– Já estás a falhar o objectivo. Contaste-me.
Nunca mais vem a chuva. Este Verão tem sido péssimo no Reino Unido (e não é só por causa do Boris Johnson) e em boa parte da Europa, mas excelente em Portugal. Temperaturas tão agradáveis só se conseguem arranjar nos Açores – e nas praias do Oeste e do Minho. Mas agora parece que a temperatura está a subir e deve ser por isso que a Vanessa me aparece com ideias estúpidas.
– Apetecia-me desaparecer como a Agatha Christie.
– Qual dos desaparecimentos? Aquele sobre o qual ela escreveu ou aquele sobre o qual ela não escreveu?
– Um deles.
A Autobiografia de Agatha Christie não conta o desaparecimento de 11 dias – que veio publicado nos jornais ingleses –, quando Christie se alojou num hotel com o nome da namorada do marido infiel e que serviu a Michael Apted para fazer em 1979 O Mistério de Agatha com a magnífica Vanessa Redgrave e Dustin Hoffman. Na autobiografia, a criadora de Poirot limita-se a reconhecer que estava totalmente pifada por essa altura do desaparecimento – a morte da mãe coincidiu com o pedido de divórcio do marido. No livro, Christie conta que uma vez estava nos correios e não conseguia assinar o nome. (A justificação que deu para o desaparecimento que não consta da autobiografia é que teria tido um ataque de amnésia). É interessante que nesta, Agatha Christie admite que o lado negro de se ser uma pessoa com muita imaginação é ser mais propensa a pifanços. Mas tudo isto é escrito de forma muito suave, muito british, com uma delicadeza de modos que teria Miss Marple.
O desaparecimento de que Agatha fala na sua autobiografia, já na ressaca da morte da mãe e do divórcio, é de outro género. Até ao fim, Agatha implorou a Archibald Christie (cujo nome carregaria até ao fim, embora umas novelas fantásticas não policiais sejam assinadas por Agatha Christie Mallowan, o apelido do segundo marido) que não se divorciasse, inutilmente. É um desaparecimento calculado: Agatha, que não tinha ido à escola (tinha aprendido francês com uma preceptora, estudou com a mãe e leu tudo o que podia ler) achou que a filha devia ir para um colégio interno. E foi assim que, totalmente sozinha – e ela conta isto na autobiografia com algum suspense – achou que não tinha nada a perder, entrou na Thomas Cook e comprou um bilhete para o Expresso do Oriente.
– Era isso que me apetecia agora, o Expresso do Oriente. Quer dizer, preferia embarcar no Expresso do Oriente do que ir para um hotel com um nome falso. Onde é que se arranjam bilhetes para o Expresso do Oriente? Quanto custam? De quanto tempo preciso?
Se eu fosse para um hotel com um nome falso, deixasse o telemóvel em casa (problemas que Agatha Christie não tinha) não teria que aturar a Vanessa. Pareceu-me, assim num segundo, uma ideia boa.