Demografia – Como combater o “General Inverno”?

Uma vez que o problema demográfico não pode ser resolvido num horizonte de uma geração, é urgente mitigar os seus efeitos. E como?

O Eurostat revelou recentemente dados estatísticos que reforçam a preocupação sobre as alterações demográficas em Portugal. Com efeito, apesar de a União Europeia ter ganho 1,1 milhões de habitantes em 2018, Portugal ficou no 7.º lugar da lista dos que perderam habitantes e em 4.º lugar na lista dos que apresentam menor taxa de natalidade.

Apesar de o fenómeno não ser novo em Portugal (desde 2010 que perdemos população e desde o início da década de 80 que o total dos nascimentos é insuficiente para garantir a renovação de gerações), o certo é que pouco se tem discutido sobre os impactos e consequências do mesmo.

Na realidade, a possibilidade de Portugal perder cerca de 27,5% da população num horizonte temporal de 60 anos, associada ao facto de, nessa data, cerca de 37,1% da população ter 65 anos ou mais (20,7% em 2015), terá consequências importantes a vários níveis (crescimento económico; coesão territorial; distribuição de rendimentos; segurança social; saúde; e educação), de entre os quais destacaria apenas três por questões de economia de espaço.

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Assim, no que respeita ao crescimento económico, e de forma simplificada, a atividade económica depende da tecnologia e dos recursos utilizados na produção (nomeadamente do fator trabalho), bem como das condições de procura, as quais, obviamente, são afetadas (na componente da procura interna) pela dimensão e caraterísticas da população.

As perspetivas projetadas para Portugal, traduzidas na redução da população e inversão da pirâmide etária, indiciam que determinantes fundamentais da oferta (menos população ativa) e da procura interna (menos consumidores) evoluirão negativamente nas próximas décadas com consequências inevitáveis ao nível da atividade económica em Portugal.

Quanto à Segurança Social, recorde-se as previsões do INE que apontam para que em 2080 Portugal tenha mais 641 mil habitantes com idade superior a 64 anos e menos 2,9 milhões de habitantes com idades entre os 15 e os 64 anos (-43% do que atualmente). Isso significa que no futuro teremos menos contribuintes e mais beneficiários.

Com menos contribuintes e mais beneficiários, o atual sistema de segurança social (assente numa lógica de repartição e de beneficio definido) simplesmente não pode funcionar. Recordo que atualmente temos menos de 1,8 trabalhadores por pensionista. Esse valor passará para 0,7 em 2050. Neste quadro, como será então viável um sistema em que são necessários cerca de 3,75 trabalhadores por pensionista para assegurar um rácio de benefício de 75%?

Por fim, e no que respeita à Saúde, a inversão da pirâmide etária associada a uma “transição epidemiológica”, caraterizada pelo declínio das doenças infeciosas e doenças agudas e pela crescente importância de doenças crónicas e degenerativas, poderá ter efeitos a dois níveis. Por um lado, no que que respeita ao mercado de trabalho e à cobertura da eventualidade “doença”, tendo em consideração a predominância das “novas” doenças degenerativas ou crónicas. Por outro, ao nível das condições de vida dos reformados que, beneficiando de uma expetativa de vida mais prolongada, poderão também ser confrontados com períodos mais prolongados de dependência.

Estas mudanças obrigarão a que se olhe as questões da saúde numa ótica de eficiência e não simplesmente de eficácia. Vamos consertar a torneira ou colocar um balde para evitar que a água caia no chão? Continuo a acreditar que chegará o dia em que o Ministério da Saúde deixará de ser o Ministério da Doença. 

Portugal enfrenta atualmente pelo menos (não considerando a emergência climática) três desafios que se colocam ao seu desenvolvimento (os três D’s): Divida (Externa), Desalavancagem (Estado, Empresas e Particulares) e Demografia.

Para evitar o “inverno demográfico”, Portugal tem que promover a natalidade. Isso parece inquestionável.

Contudo, será que a promoção da natalidade resolveria todos os problemas? Infelizmente não. Na realidade, o otimismo gerado com os nascimentos registados no primeiro semestre de 2019 (+352 recém-nascidos do que no período homólogo) é manifestamente exagerado na medida em que, para manter a atual população, o número de nascimentos anuais teria de aumentar em cerca de 45% face aos atuais valores (dos 86.827 registados em 2018 para cerca de 125.000 ao ano), valor realisticamente difícil de atingir (nunca atingido desde 1986).

Em alternativa, tem-se vindo a discutir o reforço das políticas de captação de migrantes. Essa pode ser, seguramente, uma via complementar, mas que só resultará se for vista numa perspetiva de médio prazo e não apenas de curto prazo (assente apenas na satisfação de necessidades temporárias de mão-de-obra). Ou seja, que privilegie as famílias, a estabilidade no mercado de trabalho e o respeito (recíproco!) pela diversidade cultural.

Uma vez que o problema demográfico não pode ser resolvido num horizonte de uma geração, é urgente mitigar os seus efeitos. E como?

Antes de mais importaria prolongar o período de vida “saudável” da população, promovendo estilos de vida saudável e focalizando a intervenção pública na prevenção da doença (e não apenas na cura). De igual forma, a reforma do sistema de segurança social, tornando-o mais eficiente, é inadiável.

Importaria ainda aumentar a produtividade, reformando o sistema educativo, premiando o mérito, melhorando as práticas de gestão e reforçando o investimento público e privado em Investigação e Desenvolvimento. Só assim poderemos inverter a trajetória de declínio económico num contexto de redução da população ativa.

Paralelamente, é urgente aproveitar a rede de infraestruturas existente, bem como a “transformação digital” em curso para promover a descentralização das atividades, reforçando a coesão territorial.

Como se constata, a resolução dos problemas demográficos, pela sua natureza e implicações económicas, sociais e políticas é uma tarefa difícil de resolver (e a que maior impacto terá no futuro do país).

Como alguém disse, “nove grávidas hoje não nos garantem um bebé daqui a um mês!”.

Em todo o caso, e porque a tarefa é (quase) impossível, é preciso começar hoje!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico​

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