Denúncias por importunação sexual continuam a aumentar, mas não se sabe se é da “lei do piropo”
“Propostas de teor sexual” passaram a ser crime em 2015. Quatro anos depois, ainda não se sabe que impacto tem o assédio sexual verbal nas denúncias por importunação sexual, crime que inclui também actos exibicionistas e contacto não desejado.
Os crimes de importunação sexual aumentaram em 2018, com a abertura de 903 inquéritos e dedução de 122 acusações, mas desconhece-se quantos destes números se referem a piropos ofensivos, que passaram a ser crime na lei portuguesa em Agosto de 2015.
Volvidos quatro anos sobre a criminalização das “propostas de teor sexual”, pouco se sabe sobre os efeitos da medida, uma vez que a importunação sexual — crime onde este tipo de comentários ofensivos foram incluídos — engloba outros ilícitos, como o contacto físico não desejado e os actos exibicionistas.
O próprio Ministério Público (MP), através da Procuradoria-Geral da República (PGR), reconhece que, quanto ao carácter da tipificação, o sistema informático “não permite fornecer dados com a especificidade pretendida”, ou seja, sobre o número de queixas e inquéritos instaurados em resultado das situações de assédio sexual verbal contempladas pela lei.
O que o MP dispõe são dados disponíveis relativos aos inquéritos instaurados pelo crime de importunação sexual (artigo 170.º do Código Penal), que abrange ainda o contacto físico não desejado e os actos exibicionistas.
Assim, os dados do MP revelam que, em 2018, foram instaurados 903 inquéritos pela eventual prática de crime de importunação sexual e que, no mesmo período, foram deduzidas 122 acusações pelo mesmo tipo de crime.
Estas cifras evidenciam uma subida, uma vez que, em 2017, foram instaurados 870 inquéritos e deduzidas 93 acusações, enquanto em 2016 foram instaurados 733 inquéritos e deduzidas 75 acusações.
Pelos dados percebe-se que os crimes de importunação sexual têm vindo a subir desde 2015, altura em que foram instaurados 659 inquéritos e deduzidas 64 acusações.
O que não se sabe é o peso que os piropos de teor sexual tiveram eventualmente no crescimento dos crimes de importunação sexual, já que não existe um tratamento diferenciado dos dados estatísticos.
Também a PSP não consegue dizer se algumas das queixas recebidas por comentários ofensivos de cariz sexual chegou ou não a julgamento, conforme admitiu o comissário André Oliveira Serra. O agente explicou que, uma vez recebida a participação, a mesma segue para o Ministério Público abrir e dirigir o inquérito e investigação.
O mesmo comissário diz ter conhecimento da apresentação de algumas queixas apresentadas à PSP por pessoas que se sentem ofendidas com comentários impróprios de teor sexual, mas a PSP, à semelhança do MP, não tem dados individualizados desta tipologia de crime a não ser no âmbito do conjunto de crimes de importunação sexual.
André Serra salientou, no entanto, que a PSP realizou já uma campanha de sensibilização junto dos seus agentes no sentido de darem atenção às queixas relacionadas com o assédio sexual verbal, evitando assim qualquer desvalorização da prática daquele crime.
Faltam respostas
Contactada pela agência Lusa a propósito deste tema, Elisabete Brasil, que presidiu até ao início deste ano a associação UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), afirmou que “tem havido muito pouca informação” sobre as queixas relativas a piropos de cariz sexual, criticando a falta de interesse do poder político em saber mais sobre este e outros fenómenos criminais previstos na Convenção de Istambul.
Elisabete Brasil notou que se pretendeu cumprir um calendário por causa da Convenção de Istambul, mas que depois não se deu o devido valor aos temas aprovados e tudo está um pouco “esquecido”.
Ao contrário de muitos outros países europeus, Portugal continua a não dispor de dados precisos sobre cada um dos crimes da Convenção de Istambul, nomeadamente o número de queixas e processos por cada um dos crimes sexuais e o tipo de relação entre agressor e vítima. Este défice estatístico, em sua opinião, estende-se aos crimes de assédio, violação, violência doméstica e casamentos forçados.
Elisabete Brasil alertou ainda para o facto de existirem entidades públicas a fazerem não propriamente um tratamento de dados estatísticos, mas de dados administrativos, os quais são elaborados sem cruzamento de informações e sem o rigor que se exige. “Temos dados muito dispersos”, comentou ainda.
Quanto aos comentários ofensivos de cariz sexual, Elisabete Brasil diz ter conhecimento pessoal de duas situações: uma delas resultou na apresentação de queixa e noutra, ocorrida o ano passado, a queixa foi arquivada.
No entender da responsável, a falta de organizações a actuar no terreno para dar resposta aos crimes sexuais e à violência doméstica, bem como de linhas telefónicas que forneçam informações sobre esses crimes, enfraquece a posição da vítima, embora reconheça que se “avançou” na criação de estruturas para dar resposta ao crime de violação.
“De resto, não há resposta para o assédio e a perseguição”, observou.