A síndrome da doença do Modelo de Desporto Português
É tempo de Portugal elevar o nível da sua política pública desportiva para além dos calculismos políticos habituais do “participar é ganhar”, do “não me comprometa com o que fazem os atletas” e do “salve-se quem puder” que surgem por altura das missões olímpicas portuguesas.
Os principais indícios da enfermidade do Modelo de Desporto Português (MDP) são a sua incapacidade de criar valor desportivo ao nível do conseguido pela maior parte dos outros países europeus, a falência de federações, clubes e atletas e a inaptidão para conceber e liderar processos de transformação das instituições do desporto português. Três exemplos materializam os males do MDP.
Primeiro exemplo. Em 2017, um conjunto de 12 federações terá iniciado um processo visando a modernização da Confederação do Desporto de Portugal (CDP). O projecto passaria por ganharem as eleições de 2019 a Carlos Paula Cardoso, cuja liderança terão desconsiderado. Passados três anos, as eleições foram ganhas pelo líder em funções, Carlos Paula Cardoso, apesar das diligências críticas dos contestatários a outros votantes.
O episódio é sintomático da doença do MDP. Falta às suas instituições instrumentos de análise qualificada sobre o seu passado, a sua situação actual e o que será no futuro. Sem esse rumo as federações dispersam-se em organizações que desconsideram e são derrotadas.
Pergunta-se como é que 12 organizações (de modalidades olímpicas?) visam um objectivo que definem como institucionalmente prioritário, que trabalham durante todo o ciclo desportivo e fracassam? Como é que estas entidades poderão ganhar grandes resultados internacionais e, em particular, que condições têm para conquistar primeiros lugares? Ou, de outra forma, como podem estas federações desportivas e as outras, que preferiram a continuidade do mandato de Carlos Paula Cardoso, promoverem a transformação do Modelo de Desporto Português que se sabe estar falido? Como podem eleger ou legitimar líderes alternativos e de futuro? Porquê manter a CDP que se tornou desinteressante? Porque não conceber uma inovadora arquitectura organizacional de um novo Modelo de Desporto Português?
Segundo exemplo. A inconsistência de iniciativas das federações desportivas verificada no ponto anterior esconde a sua fragilidade sistémica: social, financeira e desportiva.
As estatísticas do desporto mostram que, nos últimos 20 anos, por vários motivos o número de federações desportivas decresceu num valor superior a 10%. De 2004 em diante faliram oito federações, o quádruplo das duas criadas no período. A falência das organizações, aliada à falta de criação de novas federações, demonstra que as populações não se interessam por um sector que não apresenta resultados desportivos e não criam novas organizações.
A maleita é mais profunda quando existe a percepção da falência financeira em 32% das federações que actuam no mercado desportivo. As estatísticas mostram a falência desportiva da maior parte das federações existentes, com a excepção do futebol.
Em síntese, a saúde da maior parte das federações desportivas é frágil! Demasiado frágil!
Terceiro exemplo. Se o campeão Fernando Pimenta não ganhar a medalha de ouro na canoagem olímpica, esse terá sido um modo de destruir valor desportivo do Modelo de Desporto Português a que os portugueses foram habituados.
Portugal tem o campeão Fernando Pimenta que aspira a ganhar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio no próximo ano. Porém, nem os governantes, nem os líderes federados, nem os líderes partidários assumirão politicamente a conquista da medalha de ouro por Fernando Pimenta como ponto de honra de Portugal nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Ninguém pode garantir uma vitória desportiva, porém, quando Nelson Mandela dialogou com o capitão da selecção sul-africana estava a garantir-lhe o conforto e a transcendência da honra da ambição nacional que os atletas materializariam no confronto desportivo.
Sabe-se que em Tóquio estarão os símbolos da Nação, séculos de história trágico-marítima, a Sagres, o Hino, a Bandeira e muito-mais-de-muito-menos e pergunta-se: até que ponto durante os últimos anos houve políticas públicas condicentes com a magnitude da responsabilidade focada na viabilização da medalha de ouro de Fernando Pimenta? Caso tenha faltado a elevação da política pública nacional, resta adivinhar o circo que se prepara.
É tempo de Portugal elevar o nível da sua política pública desportiva para além dos calculismos políticos habituais do “participar é ganhar”, do “não me comprometa com o que fazem os atletas” e do “salve-se quem puder” que surgem por altura das missões olímpicas portuguesas.
Face ao historial de fracassos olímpicos de Portugal, não será de excluir a hipótese de mais uma vez Fernando Pimenta poder ser traído pela ineficácia da política pública desportiva que o atingirá pessoalmente, que se repercutirá negativamente na juventude nacional e que afectará, de novo, os mais altos interesses nacionais.
A medalha de ouro na canoagem a ganhar por Fernando Pimenta é um magnífico projecto desportivo nacional e deveria ter sido colocado num patamar diferenciado da política desportiva nacional, assim tivesse havido o engenho e a arte para o finalizar com sucesso por parte dos principais decisores políticos nacionais.
O último ano da preparação de Fernando Pimenta atingirá níveis de filigrana operacional e de excelência de governança do mais alto rendimento que as nações olímpicas protagonizam.
Conclusão. A síndrome da doença do Modelo de Desporto Português é grave quando sugere não haver no MDP a produtividade desportiva da maior parte dos países europeus, ter um contributo directo para a falência das federações e dos clubes desportivos, desnortear e desresponsabilizar os líderes das federações e não proteger e não promover os seus campeões para lhes assegurar as medalhas de ouro de que são merecedores.